Ex-servidoras foram aposentadas compulsoriamente pela Polícia Civil
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Em meio a um mês conturbado, após denúncias de assédio moral e sexual, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se vê dentro de outra polêmica. Desta vez, duas ex-servidoras da instituição denunciaram que foram aposentadas compulsoriamente após perseguições profissionais dentro da corporação.
O Estado de Minas ouviu a ex-perita Tatiane Albergaria e a ex-delegada Larissa Bello. Mas há a possibilidade de mais de 40 servidores terem sido desligados da corporação nos últimos anos sem motivo grave aparente.
Os relatos são semelhantes. Depois de denunciarem casos de assédio ou perseguição na Polícia Civil, as vítimas são forçadas a tirar uma licença médica. Elas passam por perícia feita por médicos-legistas da própria instituição, e são emitidos laudos que contém doenças psicológicas falsas, forçando assim a aposentadoria da agente.
Tatiane era lotada em uma delegacia de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Trabalhou por 2 anos no local, até que os primeiros problemas passaram a acontecer. “A chefe da delegacia entrou de licença e me pediu para substituir. Durante o período da licença dela, tive contato com chefes de departamento, acabei conseguindo várias melhorias para a perícia. Acabou ficando um clima mais agradável na delegacia”, contou.
Quando a chefe voltou na delegacia, as novas conquistas não foram bem-vistas. A partir daí, a perita passou a ser prejudicada dentro da unidade. “Teve uma época que um perito precisou se afastar e ficamos sobrecarregados, ultrapassando a carga horária. Eu ia entrar de férias e a chefe não fazia nada para ajudar. Não liberavam férias, folgas, não conseguia escolher datas”.
Durante a conversa com a reportagem, a ex-servidora chegou a comparar a situação dela com a mesma vivida pela escrivã Rafaela Drumond, que tirou a própria vida no dia 9 de junho, após meses de reclamações de casos de assédio e problemas nas escalas de trabalho.
A perita foi até a ouvidoria do estado para reclamar dos incidentes, mas, mesmo assim, não conseguiu suporte. Semanas depois, recebeu um ofício comunicando sua transferência de unidade. “A justificativa era de que eu havia tornado o clima na sessão insustentável. Eu que para evitar encontrar a chefe, trabalhava mais nos finais de semana. Entre os peritos, a gente competia para ver quem ficava mais tempo sem ver ela”, contou.
A transferência ocorreu em junho de 2020. Na epóca, Tatiane estava grávida de gemêos e, devido ao stress e assédio que sofria com frequência, acabou perdendo um dos bebês.
Ela foi encaminhada para uma unidade de Betim, também na Grande BH. A perseguição sofrida dentro da delegacia de Vespasiano fez com que ela desenvolvesse problemas psicológicos. Tudo isso comprovado por laudos médicos particulares. “Em Betim, fui melhor recebida. Apesar de ainda sofrer muito pelo que tinha passado, com medo do que outros colegas pensariam, de que eu era um peso. Me mostrei apta para trabalhar”.
Mesmo trabalhando em outra unidade, a perseguição continuava. Foram abertas sindicâncias contra a perita. Tudo isso, segundo ela, devido aos seus atritos com a antiga chefe.
Laudo médico e aposentadoria forçada
Meses após, a perita tentou uma nova transferência para Vespasiano. Acabou sendo negada, mas conseguiu se realocar no Instituto de Criminalística em Belo Horizonte. Lá, os problemas voltaram a acontecer.
Um dos médicos legistas era próximo da sua ex-chefe e, posteriormente, acabou assinando o laudo falso em que recomendava sua aposentadoria. “Com medo de perseguição, pedi 60 dias de afastamento no fim de janeiro de 2023. Me deram 30 dias, quando fui prorrogar, me mandaram trabalhar em outro horário do que fazia. Meu médico mandou um atestado alegando que estava essa confusão me causando ansiedade e crises. O laudo foi assinado por quatro médicos.”, disse.
No laudo emitido e assinado por quatro médicos legistas da Polícia Civil, foi declarado que Tatiane estava “incapacidade permanente para o exercício do cargo”.
Laudo da Polícia Civil
“A única doença que tive foi em decorrência dos abusos que sofri. Colocaram no laudo transtorno de personalidade, depressão recorrente e transtorno dissociativo”, disse.
Com o laudo emitido, a perita acabou sendo aposentada compulsoriamente no dia 20 de março. A medida fez com que ela recebesse menos de 30% do seu salário que, segundo ela, não consegue cobrir as despesas médicas. “No dia seguinte já estava tudo pronto para publicar minha aposentadoria. É muita crueldade, não deixaram eu nem me defender. Fiz um pedido de reconsideração e negaram”, contou.
Meses depois, Tatiane ainda tenta provar que tem condições de trabalho. Mesmo assim, ela não quer voltar para a Polícia Civil. “Não quero voltar pra Polícia. Mas meus médicos alegam que eu tenho condições plenas de trabalhar. Eu tenho que voltar a trabalhar, essa é a verdade. Agora, se querem me aposentar e que eu não volte, eu quero receber integral. Se eu tenho algo, é decorrente do trabalho, da perseguição. O dinheiro que a gente recebe atualmente não dá pra pagar os remédios”, desabafou.
A gente acorda todo dia querendo provar que não é incapaz, mas uma vez ou outra a gente se questiona. É uma dor muito grande.
“Acho que investiguei demais”
A reportagem também ouviu uma delegada que foi aposentada recentemente após presidir um inquérito em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.
Larissa Bello Fernandes, de 41 anos, investigava um caso de lavagem de dinheiro na cidade que poderia ter envolvimento de servidores da própria instituição. Ela acredita que passou a ser perseguida após se aproximar dos chefes da organização.
“O primeiro desentendimento foi com um inspetor. Em setembro de 2022, dividimos as investigações e ele estava no Sul do país. Quando voltou, ele desobeceu algumas de minhas ordens e passamos a discutir”, contou.
As intimidações começaram. Larissa recebia mensagens de servidores fora do horário de serviço dizendo que ela deveria se preocupar com a própria segurança. Com medo, ela pediu afastamento no dia 19 de setembro. “Fui para o Rio de Janeiro. A partir daí, o delegado regional mandou mensagens para minha família dizendo que eu nao tava bem de saúde e pedindo para eu mandar uma testado medico, mas eu estava apenas de folga”, disse.
Na mesma semana, a corregedoria enviou um ofício para que ela fosse até Belo Horizonte realizar uma perícia médica. A situação se assemelha com a de Tatiane. Ela ganhou uma nova licença e, ao voltar para trabalhar, acabou sendo aposentada. “Na mesma semana chegou uma requisição para eu ir até a perícia médica. Fui para BH, o médico fez um relatório. Me deram 66 dias de licença. Voltei da licença e queria pedir alta, para pedir transferência para o Sul de Minas, onde eu estava morando com outra pessoa. Eles descobriram, me mandaram novamente para a perícia e me aposentaram”, explicou.
A rapidez para que a aposentadoria fosse publicada assustou a então delegada. Tudo isso aconteceu em menos de seis meses. O laudo médico emitido e assinado por três médicos-legistas diz a mesma coisa que o de Tatiane. “incapacidade permanente para exercício do cargo”.
Para a reportagem, Larissa disse que se mudou para Belo Horizonte, temendo pela segurança de sua família. “Mudando para BH por segurança e acesso para tentar resolver minha situação. Os núcleos são aqui. Posso me defender melhor morando na capital”.
O Estado de Minas pediu à Polícia Civil um posicionamento sobre as denúncias e aguarda a resposta para atualizar esta reportagem.
FONTE: Estado de Minas