Leny Andrade fica na história como cantora gigante que transcendeu o jazz e a bossa nova
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Morta hoje aos 80 anos, artista carioca deixa 34 álbuns em que gravou sambas e boleros entre songbooks de compositores como Cartola, Nelson Cavaquinho, Roberto Carlos, Ivan Lins e Altay Veloso. ♪ OBITUÁRIO – É difícil falar de Leny Andrade (26 de janeiro de 1943 – 24 de julho de 2023) sem cair na tentação de classificá-la como a mais jazzística das cantoras brasileiras. Ou como uma diva da bossa nova. Ou como a mestra na arte do improviso vocal – scat-singing, no dicionário do jazz. Até porque tudo isso é mesmo verdade.
Só que a cantora carioca – morta às 10h de hoje, aos 80 anos, na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), na mesma segunda-feira triste em que o Brasil perde Doris Monteiro (1934 – 2023) – transcendeu tudo isso. Ao longo da gloriosa trajetória artística iniciada em 1959, aos 16 anos, no circuito boêmio das boates cariocas do Beco das Garrafas, no bairro de Copacabana, Leny de Andrade Lima foi além do jazz, além da bossa nova – em essência, um samba refinado com harmonias mais complexas – e além de qualquer outro gênero ou rótulo. Para ouvidos apurados, Leny Andrade nunca deixou de ser a sensação da música brasileira, como foi alardeado no título do primeiro álbum de discografia encerrada em janeiro deste ano de 2023, mês em que a cantora festejou 80 anos com single arranjado pelo pianista Gilson Peranzzetta e gravado em agosto de 2022 com o samba-canção Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957), música que sempre cantara em shows, e até na missa realizada em Nova York (EUA) em dezembro de 1994 em memória de Tom Jobim (1927 – 1994), mas que nunca tinha registrado em disco até então. Álbuns iniciais da cantora – como A sensação (1961), A arte maior de Leny Andrade (gravado em 1963 e lançado em 1964) e Estamos aí (1965) – mostraram ao Brasil que a cantora trazia na voz o balanço da bossa. Logo, o mundo descobriria esse dom que, aliado à alta carga emotiva que Leny podia imprimir nas interpretações quando e se quisesse, a tornaram uma cantora singular. Com o sagaz senso rítmico, Leny Andrade podia improvisar como Ella Fitzgerald (1917 – 1996), mas Ella não podia cantar um bolero com a densidade com que Leny – entusiasta do gênero, ao qual dedicou álbum em espanhol, Alma mía (2020) – cantava os standards desse ritmo latino nos shows entre um samba e outro. Entre 1961 e 2018, Leny Andrade lançou 34 álbuns, alguns feitos para o mercado norte-americano. O último, Canções de Cartola e Nelson Cavaquinho, saiu em 20 de julho de 2018, tendo sido gravado com o pianista Gilson Peranzzetta e dedicado ao cancioneiro desses dois grandes compositores cariocas ligados ao samba, Cartola (1908 – 1980) e Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), com o detalhe de que a cantora já tinha abordado as obras de ambos em discos distintos, Cartola 80 anos (1988) e Luz negra (1995). A propósito, a discografia mais recente de Leny Andrade foi pautada por songbooks dedicados a compositores como Altay Veloso (Leny Andrade canta Altay Veloso, álbum de 2000), Ronaldo Bôscoli (1928 – 1994) (E quero que a canção... seja você, 2001), Roberto Carlos (As canções do Rei, disco editado em 2013 com versões em espanhol de sucessos românticos do compositor), Ivan Lins & Vitor Martins (Iluminados, 2014) e Fred Falcão (Bossa nossa, lançado em maio de 2018). Cantora que se portava no palco e no estúdio como um músico, Leny Andrade também dividiu discos com instrumentistas da mesma grandeza da intérprete, como o já mencionado pianista Gilson Peranzzetta. Com o pianista César Camargo Mariano, fez dois álbuns, Nós (1993) e Ao vivo (2006). Com o violonista Romero Lubambo, gravou outros dois discos, Coisa fina (1994) e Lua do Arpoador (2006). Com o pianista Cristovão Bastos, Leny cantou Antonio Carlos Jobim em songbook de 1995. Com o guitarrista israelense de jazz Roni Ben-Hur, Leny fez Alegria de viver, disco editado nos Estados Unidos em 2015. Leny Andrade surgiu no apogeu da bossa nova e, como a bossa nova, rodou o mundo, passando temporadas no exterior, sobretudo em Nova York (EUA), cidade onde chegou a montar apartamento na década de 1980 e onde costumava ter Tony Bennett (1926 – 2023) nas plateias dos shows realizados em templos do jazz. Mas Leny também soube se conectar com a geração de compositores projetados na década de 1960 dentro do universo da MPB, expondo especial admiração pelas obras de Djavan e Ivan Lins. Ao retornar ao Brasil no início da década de 1970, após anos vivendo no México, a cantora deu voz a compositores identificados com a MPB em álbuns como Alvoroço (1973), Leny Andrade (1975) e Registro (1979). Mas sem deixar de ser Leny Andrade, a sensação que encantou o mundo cantando em português, como fazia questão de se orgulhar. Por tudo isso, a arte maior de Leny Andrade sempre transcendeu rótulos, indo além do jazz e da bossa nova a que costuma ser associada pelo balanço do canto. Cantora gigante, desde o fim de 2018 reclusa no Retiro dos Artistas por vontade própria, Leny Andrade nunca coube em um gênero ou mesmo em um movimento musical, tendo sido (muito) mais do que “a mais jazzística das cantoras do Brasil”.FONTE: G1 Globo