Disco que ligou Leny Andrade à MPB, em 1973, ‘Alvoroço’ faz 50 anos como grande e atípico álbum da cantora
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Capa do álbum 'Alvoroço', lançado em 1973 por Leny Andrade (1943 – 2023)
Reprodução ♪ MEMÓRIA ♫ DISCOS DE 1973 – Quando Leny Andrade (26 de janeiro de 1943 – 24 de julho de 2023) partiu para o México em 1966, inicialmente somente para apresentar naquele país o show que fazia no Brasil com o cantor Pery Ribeiro (1937 – 2012), o samba-jazz ainda estava ebulição nas boates cariocas e paulistanas. E a era dos festivais, plataforma para o surgimento da música que seria rotulada como MPB, ainda estava no começo, assim como a ditadura instaurada em 1964. Quando Leny voltou ao Brasil em fins de 1972, após seis longos anos no México, o governo endurecera a repressão e a MPB já estava estabelecida, dando as cartas em um mercado que via a bossa nova e o consequente samba-jazz com sons do passado. É nesse contexto musical que, aos 30 anos, com a voz tinindo, a cantora carioca gravou e lançou em 1973, Alvoroço, grande álbum que permanece como título atípico na discografia dessa intérprete de voz quente e musicalidade exuberante. Reeditado em CD em julho de 2011 pela gravadora Joia Moderna, por iniciativa do DJ Zé Pedro, Alvoroço completa 50 anos em 2023 sem deixar de ser oportuno alien na trajetória fonográfica de Leny. Trata-se do disco que conectou Leny com a então hegemônica MPB. O único ponto de contato de Alvoroço com a discografia da cantora é a classe vocal da intérprete. Pode-se identificar em faixas como o samba Não adianta (Hugo Belardi e Arnoldo Medeiros) uma evocação da verve do samba-jazz, mas a linguagem de Alvoroço é outra. Os arranjos das 11 faixas são estupendos e dialogam mais com a MPB setentista do que com a bossa, como mostra a audição do bolero O lobo no estepe (Drummond e Armando Nogueira). E, no time de arranjadores, há ninguém menos do que Arthur Verocai, Francis Hime e Wagner Tiso, além de Hugo Belardi, Luis Claudio e Orlando Silveira. Então lançando o primeiro álbum solo pela mesma gravadora Odeon que pôs Alvoroço nas lojas, Hime orquestrou as cordas que encorpam a balada Visita permanente (Dora Lopes e Jean Pierre), canção apaixonada que fecha disco pautado por requintada (e nada óbvia) seleção de repertório. Um repertório essencialmente inédito que captava o momento ditatorial do Brasil em 1973. O clima de paranoia, medo e desconfiança captado na letra de Postal – parceria de Renato Corrêa com Maria Thereza Guinle – era recorrente em discos da MPB da época. Em Alvoroço, Leny dá voz a Partido rico, partido alto de João Nogueira (1941 – 2000) – compositor que havia sido revelado em 1970 e que somente faria sucesso como cantor a partir de 1974 – com letra de Paulo César Pinheiro, autor dos versos que, sem pesar a mão no samba, denunciava de leve a matança de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Gênero musical recorrente na discografia de Leny Andrade, o samba ditou o ritmo da música-título Alvoroço (Ivor Lancellotti e João de Aquino) – faixa que sinalizou, já abertura do disco, o vigor criativo do time de arranjadores do álbum – e Não tem perdão, grande parceria de Ivan Lins (compositor que permaneceria presente na discografia da cantora) com Ronaldo Monteiro de Souza, ouvida na voz de Leny com arranjo de Arthur Verocai. A batida do samba se entranha até na gravação de Moto 1, parceria de Belchior (1946 – 2017) com Fagner, também incluída no primeiro álbum de Fagner naquele ano de 1973. Disco em que Leny – mestra do improviso jazzístico – abriu mão provisoriamente dos scats singings, Alvoroço também incluiu Bolero. Tema orquestrado por Wagner Tiso e gravado pelo grupo Som Imaginário no mesmo ano, Bolero veio assinado por Milton Nascimento em parceria com Luiz Alves, Robertinho Silva, Tavito (1948 – 2019) e o próprio Wagner Tiso. Pingos de sol (Thomas e Sergio Guima) e Sou amor, faço a vida (Paulo Midosi e Armando Henrique) são boas músicas esquecidas na poeira do tempo que reiteram a singularidade do álbum Alvoroço na discografia de Leny Andrade, grande cantora que transitava por outras bossas com a maestria que regeu o canto caloroso da artista em 60 de carreira. ♪ Leia outros textos da série memorialista do Blog do Mauro Ferreira sobre grandes álbuns brasileiros que fazem 50 anos em 2023: 1. Álbum perturbador que projetou Raul Seixas em 1973, 'Krig-ga, bandolo!' ainda é 'mosca na sopa' após 50 anos 2. Álbum inicial de Luiz Melodia, 'Pérola negra' brilha há 50 anos pela singular pluralidade da obra do artista 3. Primeiro álbum do grupo Secos & Molhados faz 50 anos sem perder a aura de clássico da música brasileira 4. Álbum que marcou conversão de Beth Carvalho ao samba faz 50 anos com repertório a ser redescoberto 5. Álbum branco' de João Gilberto faz 50 anos como a referência máxima de minimalismo na discografia brasileira 6. Álbum que deu voz a João Donato, 'Quem é quem' completa 50 anos com o viço de 1973FONTE: G1 Globo