Por que diferentes cidades de Minas rezam hoje pela volta da avó de Jesus
Nesta quarta-feira, quando se celebra na tradição católica o dia de Santana ou Santa Ana, mãe da Virgem Maria, avó de Jesus e que reúne uma legião de devotos nas cidades nascidas nos tempos áureos da mineração, duas comunidades mineiras reforçam suas preces e a expectativa pelo retorno de imagens da santa. Mas com diferenças: enquanto não há notícia sobre o paradeiro da padroeira do distrito de Inhaí, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, na Grande BH, a volta depende de decisão judicial.
A exemplo do que ocorre em outras cidades mineiras, a comunidade de Inhaí não perde as esperanças, diz o titular da Paróquia de Santana, padre Carlos Francisco Dupin, que, no último domingo (23/7), rezou com fiéis durante a novena para que a imagem volte ao altar. “Estamos na maior expectativa. Muitos moradores, principalmente os mais idosos, já confidenciaram que não gostariam de morrer sem ver o retorno da padroeira”, afirma o padre Carlos Dupin. Duas vezes furtada, a primeira em 1997, a imagem de Santana Mestra de Inhaí, joia do século 18, é sempre destaque das campanhas de resgate de bens desaparecidos.
Já em Santa Luzia, o reitor e pároco do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, padre Felipe Lemos de Queirós, aguarda, assim como os fiéis, um desfecho para a longa trajetória da imagem de Santana Mestra, atualmente sob guarda do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG). A peça, que pertenceria a uma capela já demolida no Centro Histórico da cidade, foi a leilão em 2003, no Rio de Janeiro (RJ), sendo adquirida por um empresário e, mais tarde, entregue às autoridades.
“Não perdemos a confiança nem a fé, pois se trata de um bem espiritual e de uma parte da história de Santa Luzia. Quantas pessoas já rezaram diante dessa imagem?”, observa o padre Felipe, segurando uma página do catálogo do leilão realizado há 20 anos, na capital fluminense, do qual foram retirados os chamados “anjos barrocos”, que já retornaram ao santuário, onde se encontram até hoje em exposição. Os objetos de fé estavam em mãos de um colecionador, e, por medida judicial, após perícia de especialistas, retornaram em 2004 ao templo do século 18, localizado na Praça da Matriz.
Em relação à Santana Mestra (imagem de 90 centímetros de altura), em 2006 o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação contra o colecionador (já falecido) que adquiriu o item histórico, “após constatação de que foram levadas a leilão várias peças sacras oriundas de templos religiosos de Minas Gerais, sem comprovação de autoria ou indicação de sua procedência lícita”.
Antes do ajuizamento da ação principal, o MPMG havia pleiteado medida liminar para busca e apreensão de vários bens, entre eles a imagem esculpida em cedro policromado e dourado, com resplendor e coroa de prata. Durante o processo, foram ouvidas as moradoras Dalma Aparecida Martins e Maria Francisca Augusta, que reconheceram a imagem como da antiga capela – as duas morreram sem concretizar o desejo de ver a santa de volta.
DECISÃO Cumprindo decisão judicial, a Santana Mestra foi entregue ao comprador, em 2005, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), até que, em 2013, em nova decisão judicial, a imagem foi levada, para fins de complementação da perícia, ao Cecor/UFMG. Enquanto isso, a Mitra Arquidiocesana de BH requeria a restituição da peça para o acervo da Paróquia de Santa Luzia.
“O MP reforçou ao Juízo a necessidade de restituição da Santana Mestra à Paróquia Santa Luzia, porque, além dos robustos elementos sobre a origem da peça, a Mitra manifestou interesse de que ela seja reintegrada ao acervo do santuário da cidade”, afirma o promotor de Justiça Marcelo Maffra.
Padre Felipe já imagina o espaço da igreja para receber a imagem, embora lembrando que tudo será feito de acordo com o Iepha, responsável pelo tombamento do templo.
Memória
De volta às origensAo longo do século passado, foram muitas as ações com bons resultados em busca de tesouros desaparecidos de Minas, especialmente peças sacras. Embora a mobilização pelo resgate do patrimônio tenha se intensificado há duas décadas, um dos casos mais emblemáticos de recuperação ocorreu em 1971, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde houve furto de 10 imagens, incluindo a da padroeira. Em operação comandada pelo então secretário de estado de Segurança Pública, coronel Odelmo Teixeira Costa, os ladrões foram presos, e o objetos de fé voltaram à igreja, em meio a grande festa na Praça da Matriz, conforme matéria publicada pelo Estado de Minas em 18/5/71. Hoje um dos templos mais seguros do estado, o santuário carecia na época de equipamentos de vigilância para impedir a ousadia dos ladrões. Situação que ainda ocorre em muitos monumentos históricos mineiros.
Minas para sempre
Segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG),
para segurança dos bens tombados no estado foi instituído o programa Minas para Sempre.
Ele contempla 57 bens, e teve início efetivo em setembro/2021, com duração de 36 meses.
Quando até os santos precisam de proteção
Muitos furtos em igrejas e capelas de Minas, ao longo dos anos, ocorreram por falta de segurança e vigilância nos templos. A situação já mudou, mas ainda precisa de aperfeiçoamentos, segundo especialistas do setor. Para frear a ousadia dos ladrões e proteger os acervos, imagens e outras peças sacras foram transferidas para museus e outros espaços.
Um dos itens hoje sob guarda da Arquidiocese de Belo Horizonte, na capital, é uma imagem de Santana pertencente à capela da comunidade de Fazenda do Fidalgo, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de BH. Hoje, dia consagrado à mãe da Virgem Maria e avó de Jesus, segundo a tradição católica, a escultura do século 18, em policromia, fará uma visita especial aos moradores da localidade distante 15 quilômetros da sede municipal. Entre as comemorações, haverá missa às 19h. Os festejos irão até domingo (30/7).
Embora restaurada recentemente, a Capela de Santana ainda não oferece a segurança necessária para abrigar o bem espiritual e cultural, informa o padre Luís Gustavo de Oliveira, titular da Paróquia São Paulo Missionário. “Nos dias em que a peça estiver aqui, ficará em local seguro. É uma alegria muito grande receber a imagem da nossa padroeira, mesmo que por poucos dias”, disse o padre.
O trabalho de restauração do templo se tornou possível graças ao Projeto Igreja Segura, fruto de ação do Ministério Público de Minas Gerais com a Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte. Erguido em 1745, a singela construção é um dos bens de grande importância histórica e cultural para a região, tendo merecido tombamento municipal em 2008.
De acordo com informações do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), a capela já dispõe de todo o sistema de alarme. Em nota, o instituto informa que a imagem ainda não voltou ao local de origem por falta de instalações elétricas e câmeras, que estão sendo providenciadas pela própria igreja.
Cruzada pelo patrimônio
A série “História resgatada”, publicada desde o último domingo (23/7) pelo Estado de Minas, retrata os 20 anos de união de esforços pela recuperação de peças do patrimônio mineiro saqueadas ao longo de séculos. A primeira reportagem mostrou que a campanha Boa Fé, de devolução espontânea de itens indevidamente retirados de igrejas e museus, é o capítulo mais recente de uma mobilização intensificada em 2003, ano crítico para furtos de bens históricos em Minas. Na segunda-feira (24/7), o coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio de Minas Gerais, Marcelo Azevedo Maffra, em entrevista ao EM, fez um balanço positivo da atuação do MP nas últimas duas décadas, embora reconheça que ainda há muito a ser feito. A edição de terça-feira (25/7), penúltima desta sequência, mostrou a esperança de moradores do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na recuperação de cerca de 20 objetos de fé levados por ladrões em 1994, além da lista das 20 cidades mineiras com maior número de itens históricos desaparecidos.
FONTE: Estado de Minas