Com polêmicas e mercado saturado, ‘bolha’ de influenciadores estourou em 2023

22 dez 2023
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Setor teve ano com Farofa da Gkay 'flopada' e escândalo de joguinhos ilegais. Especialistas e influenciadores explicam crise e como conteúdo responsável deve ganhar relevância em 2024. O escândalo das "publis" de jogos de azar ilegais é o desfecho de um ano em que influenciadores foram colocados à prova:

Em março, uma maquiagem da influenciadora Virgínia Fonseca gerou polêmica pelo preço alto e qualidade duvidosa;

Em maio, a CPI das Criptomoedas começou a investigar propagandas de famosos para empresas de pirâmides financeiras;

Em outubro, uma publicidade com Felipe Neto foi alvo de disputa política e gerou campanhas de boicote a uma marca de chocolate;

Em dezembro, o influenciador fitness Renato Cariani foi indiciado pela Polícia Federal, suspeito de participação em um esquema de desvio de produtos químicos para o narcotráfico;

No mesmo mês, a Farofa da Gkay -- evento símbolo da cultura de influência no Brasil -- teve sua edição menos comentada.

Juju Salimeni, Jon Vlogs, MC Kauan, Mel Maia e Juliana Ferrari divulgam o site de apostas Blaze no Instagram

Reprodução/Instagram

"Nos últimos anos, teve uma saturação em número de influenciadores, formou-se uma bolha digital e agora essa bolha explodiu", avalia o assessor de imprensa Cacau Oliver ao g1. Conhecido como "criador de subcelebridades" e há quase 20 anos no ramo, ele ajudou a projetar nomes como Andressa Urach e Peladona de Congonhas. Cacau ainda apresentou o Brasil a uma ampla gama de vencedoras do concurso Miss Bumbum.

Um estudo da plataforma de marketing Influencity mostrou que o investimento em publicidade digital na América Latina cresceu cerca de quatro vezes em dois anos, passando de US$ 7,9 bilhões em 2020 para US$ 34,7 bilhões em 2022. A maior parte do investimento do ano passado (34%) veio do Brasil.

"O Brasil tem uma curiosidade pela vida do outro, que é o que faz o 'BBB' ser um fenômeno aqui, mais do que em qualquer outro lugar", analisa a publicitária Rafaela Lotto, sócia do YouPIX, consultoria focada em discutir a cultura da internet.

"Além disso, num país desigual e com educação ruim, a influência é vista como ferramenta de ascensão. O sucesso de influenciadores causa uma projeção: faz com que as pessoas achem que também podem chegar lá."

Não à toa, ela explica, empresas como o site de apostas Blaze priorizam, em suas propagandas, famosos com perfil de quem "venceu na vida". "Talvez, com um outro tipo de influenciador, a audiência não comprasse tanto."

No domingo (17), uma reportagem do "Fantástico" mostrou que a Blaze teve mais de R$ 100 milhões bloqueados pela Justiça, após a polícia reunir indícios de que apostadores não recebiam os prêmios.

Um dos principais jogos da plataforma é o Crash, conhecido como "Jogo do Aviãozinho". Assim que o avião começa a voar, o valor da premiação vai aumentando e o apostador tem que decidir a hora de parar o voo - se antes surgir a palavra Crashed, a aposta está perdida.

O jogo, assim como outros oferecidos pelo site, é ilegal no Brasil. As punições para a prática podem afetar empresas, apostadores e influenciadores que fazem a divulgação da Blaze nas redes sociais. Entre eles, estão Jon Vlogs, Viih Tube, Juju Ferrari, Mel Maia, Rico Melquiades, MC Kauan e Juju Salimeni. Alguns se manifestaram por meio de suas defesas (veja na reportagem abaixo).

Polícia investiga plataforma online que controla o jogo do aviãozinho

Por que famosos fazem 'publis' questionáveis?

Ser influenciador hoje não é o mesmo que há três anos. O setor teve um boom a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19. Sem a possibilidade de realizar eventos ou de reunir equipes para gravar comerciais de TV, as marcas se voltaram para a publicidade on-line.

Com a promessa de faturamento alto, uma legião de internautas passou a batalhar por seguidores. "O problema é que muita gente começou a fazer a mesma coisa", diz Cacau Oliver.

"Hoje, tem muita gente no mercado e está mais difícil ganhar dinheiro. Por isso, alguns influenciadores ficaram mais flexíveis para fazer coisas que não fariam. Nesse cenário, as propagandas de joguinhos acabam sendo uma oportunidade grande de faturar."

"Eles pagam muito mais do que as marcas normais, e de certa forma exigem pouco do influenciador", acrescenta Rafaela Lotto.

Os valores oferecidos por publicidade variam a depender da relevância e da quantidade de seguidores de cada influenciador. Neste mês, o youtuber e streamer Cellbit, com mais de 6 milhões de inscritos em seu canal, revelou que recusou uma proposta de R$ 6 milhões para divulgar um cassino on-line.

A atriz e roteirista Ademara, com 675 mil seguidores no Instagram, diz que "todos os dias" recebe propostas para fazer publicidade de plataformas de apostas. "Eu nunca quis nem saber valores. No primeiro contato, já bloqueio porque, a longo prazo, isso é muito prejudicial para a carreira."

A atriz e roteirista Ademara, com mais de 600 mil seguidores no Instagram

Reprodução/Instagram

"Esse controle está associado a princípios básicos de ética profissional. Quando você se torna influenciador, isso significa que tem uma galera confiando no que você está dizendo", ela continua.

"No caso das apostas, é muito fácil perceber o tipo de consequência negativa que isso pode ter na vida das pessoas. Não dá para fingir que não tem noção do impacto."

O que vai mudar para influenciadores em 2024?

Especialistas concordam que 2023 foi um ano de ruptura no mercado de influência. Para o assessor Cacau Oliver, a edição "flopada" da Farofa da Gkay é um dos símbolos do desgaste.

"A Farofa mostra a futilidade de alguns influenciadores. As pessoas se cansam disso."

Neste ano, marcas ficaram mais cautelosas ao avaliar resultados gerados pela publicidade digital. "A pandemia empurrou muita gente para esse mercado, mas, agora, o tom é: espera aí, isso funciona mesmo? As marcas que investiram muito em influenciadores estão calculando até que ponto isso está trazendo retorno", analisa Rafaela, sócia do YouPIX.

Segundo ela, a consequência mais natural de escândalos como o caso Blaze é que influenciadores mais responsáveis com o próprio conteúdo ganhem relevância em 2024

"Não é que, de repente, todo mundo vai ficar bonzinho. É uma questão de sobrevivência. As marcas estão mais críticas e quem quiser sobreviver como influenciador vai ter que se tornar mais profissional."

"Acho que o público vai ficar cada vez mais crítico ao tipo de associação que os influenciadores fazem com marcas que são prejudiciais para a audiência", acrescenta Ademara.

Bianca Andrade, a Boca Rosa, fatura com a própria marca de maquiagem

Reprodução/Instagram

Para Rafaela, uma análise mais profunda aponta ainda uma outra mudança de rumo do setor: quem trabalha com internet está começando a prestar atenção em novas formas de monetização, para além da publicidade.

Nomes fortes do segmento de beleza, como Bianca Andrade, Mari Maria e Bruna Tavares, já fazem sucesso com suas próprias linhas de maquiagem.

O empreendedorismo deve virar tendência também em outros segmentos, afirma a publicitária. "Não tem marca para pagar 'publi' para todo mundo, então os influenciadores estão criando suas próprias marcas."


FONTE: G1 Globo


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