Corte IDH debate caso sobre aborto pela primeira vez na história
A Corte Interamericana de Direitos Humanos começou, nesta quarta-feira (22), a discutir pela primeira vez o direito ao aborto. O órgão judicial autônomo da OEA resolve sobre o caso "Beatriz x El Salvador", no qual uma mulher do país centro-americano foi proibida de interromper a gestação mesmo com sua vida em risco.
Beatriz (nome fictício), diagnosticada em 2013 com uma doença autoimune, o lúpus eritematoso sistêmico, teve negado o aborto apesar do risco e do fato de o feto apresentar anencefalia, a ausência de desenvolvimento cerebral durante a gravidez.
Em janeiro de 2022, a Corte Interamericana começou a discutir o caso de Beatriz, que morreu em 2017 em um acidente de trânsito, contra o Estado de El Salvador, onde o aborto é proibido com penas de prisão de dois a oito anos.
Os tribunais salvadorenhos costumam classificar o aborto como homicídio qualificado, aumentando a pena para entre 30 e 50 anos de prisão.
- Manifestações -
Ativistas feministas se concentram desde o início da manhã em frente à sede da Corte IDH, em San José, para acompanhar ao vivo a audiência.
Grandes cartazes eram exibidos nas ruas próximas com slogans como "Esta luta é por Beatriz e por todas", enquanto dezenas de mulheres assistiam à audiência em um telão.
"A situação de Beatriz, na verdade, é paradigmática, porque representa milhares de mulheres [...] que não têm respeitado o seu direito de tomar decisões sobre sua vida", declarou à AFP Carla Ansolini, de 36 anos, professora brasileira que foi acompanhar a sessão e confia em uma "sentença histórica".
"Esses contextos tão hostis geram uma constante criminalização. As mulheres acabam tendo que escolher entre sua vida ou sua liberdade", afirmou à AFP Rocío García, advogada de 32 anos que viajou da Argentina.
Do outro lado da rua, um grupo de cerca de 20 ativistas antiaborto estavam fazendo uma manifestação silenciosa com bandeiras azul-claras. Ocasionalmente, sussurravam orações.
Em San Salvador, cerca de 100 mulheres ocuparam o auditório da Universidade de El Salvador para ver a audiência pela internet. A maioria vestia camisas verdes com a frase "Beatriz queria viver e ser feliz".
Durante a audiência, a mãe de Beatriz, cujo nome foi mantido em sigilo, explicou que os médicos que atenderam sua filha recomendaram que ela interrompesse a gravidez devido ao risco que esta representava para sua vida.
"Os médicos disseram que [...] as vidas de ambas estavam em perigo e que havia uma possibilidade de salvar a vida dela por meio de um tratamento [aborto], mas que não poderiam fazê-lo" porque é proibido em El Salvador, afirmou.
"Que esse caso que aconteceu com Beatriz não aconteça com mais nenhuma outra mulher", pediu.
A audiência é a última etapa antes de a Corte Interamericana emitir sua sentença, que pode levar seis meses.
- 'Forma de tortura' -
Beatriz tinha 20 anos quando confirmaram sua segunda gravidez, em fevereiro de 2013, na época já diagnosticada com lúpus e depois de ter feito um primeiro parto de risco.
Um mês depois, os médicos viram que o feto sofria uma má formação congênita incompatível com a vida, com a "probabilidade de que ela morresse" se continuasse a gestação.
Ainda assim, as autoridades negaram a ela o aborto e 81 dias depois os médicos a submeteram a uma cesárea. O bebê morreu cinco horas depois.
Gisela de León, diretora jurídica do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), explicou à AFP que Beatriz "teve seus direitos à vida e à integridade pessoal violados".
"Alegamos que o sofrimento ao qual foi submetida, sabendo que seu direito à vida estava em risco, é uma forma de tortura", disse De León.
Na América Latina, o aborto é legal em Argentina, Colômbia, Cuba, Uruguai e em alguns estados do México. No Brasil e no Chile é ilegal, exceto nos casos de risco para a saúde da mãe, ser fruto de um estupro ou de malformações no feto.
Em El Salvador, Honduras, Nicarágua, Haiti e República Dominicana é absolutamente proibido.
FONTE: Estado de Minas