Milhares de franceses protestam contra um Macron inflexível sobre reforma da Previdência
É "como se não existíssemos", lamentou Laurence Briens, uma das milhares de pessoas que protestaram, nesta quinta-feira (23), contra a impopular reforma da Previdência do presidente Emmanuel Macron, a quem os sindicatos acusam de querer incendiar as ruas.
Os sindicatos convocaram o nono dia de greve e manifestação, o primeiro desde que Macron adotou por decreto, há uma semana, o endurecimento das regras para requerer a aposentadoria integral, aumentando a tensão social.
Diante do temor de perder a votação no Parlamento, o governo decidiu adotar sem o voto dos deputados o adiamento da idade da aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e o aumento do tempo de contribuição para 43 anos, e não 42 como é agora, até 2027.
"Estou muito chateada", "nos trataram como crianças", reclamou Briens, em Paris. Essa fonoaudióloga de 61 anos decidiu se manifestar depois de assistir à aguardada entrevista de Macron na quarta (22): "Era como se não existíssemos, como se não nos ouvisse".
O presidente assumiu a "impopularidade" de uma reforma que quer ver ser adotada "até o final do ano" para o "interesse geral", e criticou os sindicatos, a oposição e os manifestantes mais radicais, que comparou a "subversivos".
O líder do sindicato CGT, Philippe Martínez, acusou Macron de "jogar um tanque de gasolina no fogo", especialmente quando, há uma semana, várias cidades registraram protestos não declarados, marcados pela queima de latas de lixo e acusações de violência policial.
Laurent Berger, líder do principal sindicato francês, CFDT, pediu "ações não violentas" para manter o apoio da opinião pública, majoritariamente favorável às manifestações e contrária à reforma.
Os sindicatos têm sido a base da contestação desde janeiro e em 7 de março conseguiram mobilizar entre 1,28 milhão e 3,5 milhões de pessoas - segundo números da polícia e dos organizadores, respectivamente - nos maiores protestos contra uma reforma social em três décadas.
Na quarta, receberam o apoio de 300 profissionais da Cultura, entre eles as atrizes Juliette Binoche e Camille Cottin, que em um artigo publicado no jornal Libération pediram a retirada de uma reforma que consideraram "injusta".
Porém, a manifestação desta quinta é a primeira desde que Macron impôs seu plano por decreto e se anuncia crucial para saber se será capaz de manter viva a mobilização contra uma reforma que ainda espera a aprovação final do Conselho Constitucional.
A polícia prevê "entre 600.000 e 800.000 pessoas em 320 atos".
- "Como ensinar democracia?" -
Como símbolo do clima dominante, os manifestantes em Paris cantam a música "Motivés" (Motivados), do grupo Zebda, cuja estrofe diz: "Motivados, motivados, é preciso continuar motivados". Os cartazes contra a reforma dos primeiros protestos deram lugar às críticas a Macron.
Cédric Nothias, um professor do ensino médio de 46 anos, carregava um cartaz com a pergunta: "Como ensinar democracia quando Macron a pisoteia?". "Devo ensinar que a França é uma República democrática", algo "difícil" porque "na prática não é respeitada", lamentou.
A saga da reforma da Previdência entrou em uma fase de desgaste, com um governo inflexível e ansioso para encerrar o conflito social e uma oposição - política, sindical e popular - disposta a manter a queda de braço e, inclusive, intensificá-la.
As greves provocaram fortes distúrbios nesta quinta no transporte público parisiense e o cancelamento da metade dos trens de alta velocidade, o fechamento de escolas, o bloqueio de colégios e universidades, e o fechamento de monumentos como a Torre Eiffel.
Diante dos bloqueios que duram dias em depósitos e refinarias, o governo ordenou a volta ao trabalho de alguns grevistas para amenizar a falta de combustível em 15% dos postos de gasolina e a "crítica" situação do fornecimento de querosene nos aeroportos de Paris.
A capital segue com milhares de toneladas de lixo acumuladas nas ruas, dias antes da chegada do rei Charles III, que manteve sua viagem à França. Há, ainda, interrupções pontuais de estradas e o bloqueio de portos se propagam pelo país, entre outras ações.
Após a mobilização desta quinta, o governo espera que os protestos "diminuam" e tudo volte à normalidade "no fim de semana". Os sindicatos não jogam a toalha e decidirão à noite quais serão os próximos passos.
FONTE: Estado de Minas