Segundo álbum solo de Julia Mestre, ‘Arrepiada’ se ressente da falta de unidade

20 abr 2023
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Com faixas produzidas por Lux Ferreira, o disco autoral da integrante da banda Bala Desejo se justifica mais pela pulsão feminina das letras do que pelas músicas em si. Capa do álbum 'Arrepiada', de Julia Mestre

Fernanda Pompermeyer

Resenha de álbum

Título: Arrepiada

Artista: Julia Mestre

Edição: Edição independente da artista / Altafonte

Cotação: ★ ★ ½

♪ Embora a banda Bala Desejo seja personificada na percepção geral pela figura carismática do cantor e compositor Zé Ibarra, foi Julia Mestre a arquiteta da formação do quarteto ao propor em junho de 2020 a reunião dos integrantes na casa da artista.

Anunciada em novembro de 2021, a banda deu certo e virou sensação no universo pop brasileiro ao longo no ano passado a partir da edição do álbum Sim Sim Sim (2022) e da consequente turnê de lançamento do disco. É no embalo do hype em torno da Bala Desejo que Julia apresenta o segundo álbum solo, Arrepiada, neste mês de abril de 2023.

Na sequência de Intro com cordas orquestradas por Felipe Pacheco Ventura, o disco encadeia onze músicas autorais, quase todas compostas durante a pandemia. Dez são inéditas feitas para o disco, sendo que três já saíram em singles.

Duas, a climática El fuego del amor e a disco music Meu paraíso, anunciaram formalmente a chegada do álbum ao serem lançadas em janeiro em single que adiantou essas duas músicas compostas por Julia Mestre com a dupla Lux Ferreira e Tomás Tróia, dando a pista dos flertes do disco com a sonoridade sintetizada em voga na década de 1980.

A única regravação do álbum Arrepiada é Clama floresta, parceria de Julia com Zé Ibarra gravada no primeiro álbum da banda Bala Desejo e rebobinada no disco da cantora no balanço do reggae.

Formatadas pelo produtor musical Lux Fereira com a colaboração da própria Julia Mestre, as faixas inéditas do álbum Arrepiada indicam que as intenções do disco são melhores do que os resultados apresentados. Até porque faltou unidade no repertório. Reunidas em um disco, as músicas resultam sem liga.

Se a música-título Arrepiada (Julia Mestre e João Gil) cruza referências de Marina Lima e Rita Lee (dona de obra já celebrada por Julia em EP editado em 2020) sem o poder de sedução das artistas no universo do pop rock, Chuva de caju – parceria da artista com Ana Caetano, metade da dupla Anavitória – cai no álbum sem toda a doçura pretendida.

Parceria de Julia Mestre com Dora Morelenbaum, Menino bonito tenta ir atrás do bloco com os toques dos percussionistas baianos Kainan do Jêjê, Tiago Nunes e Lucas Maciel, mas fica no meio do caminho. Como o álbum, aliás.

Arrepiada é disco feito em fogo brando que nunca arrepia de fato. O fogo do amor nunca queima. Mas é justo mencionar a boa arquitetura do Forró da solidão (Julia Mestre e João Gil), música com a temática típica da pandemia – a impossibilidade de troca presencial com o outro – e valorizada na gravação pelo toque da sanfona de Marcelo Jeneci.

Composição de Julia em parceria com João Gil, Lucas Nunes e Zé Ibarra, previamente apresentada em single editado em 1º de março, Deusa inebriante é canção que versa sobre o beijo da morte em letra escrita com inspiração no falecimento do avô da cantora enquanto dormia.

No plano oposto, De toda mãe (Julia Mestre) traz a pulsão da vida – com arranjo que evoca a ancestralidade afro-brasileira a partir do mix de palmas e percussões com os metais orquestrados pelo trombonista Marlon Sette – na letra escrita pela artista a partir de notícia de que a cantora Mariá Pinkusfeld, amiga de Julia, estava grávida de duas meninas. Sedutora, a faixa enfatiza o viés feminino do repertório do álbum Arrepiada.

Já Do do u (Julia Mestre) é quase vinheta que apresenta, em pouco mais de um minuto, canção composta e gravada via iPhone no quarto da artista, em momento Billie Eilish que soa como alien na estrutura do disco.

Ao fim, Sonhos & ilusões (Julia Mestre e João Gil) traz um sopro cool de emoção real no encontro da artista com a cantora, compositora e instrumentista portuguesa Maro. É fecho bonito para um álbum que se justifica mais pela potência feminina das letras do que pelas músicas em si.

Além de unidade, faltou em Arrepiada justamente o arrepio que nunca vem.


FONTE: G1 Globo


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