Justiça francesa investiga presidente da Interpol em caso de torturas
A Justiça francesa investiga desde o final de março o presidente da Interpol por "cumplicidade em torturas", após a denúncia de dois britânicos, numa nova frente judicial contra Ahmed Nasser al-Raisi, dos Emirados Árabes Unidos.
A Procuradoria Nacional Antiterrorista (PNAT) confirmou à AFP que confiou a investigação a um juiz de instrução de Paris após uma denúncia sobre "torturas" e "detenções arbitrárias" em 2018 e 2019.
Como autoridade policial nos Emirados Árabes Unidos (EAU), Al-Raisi seria considerado cúmplice.
Esse tipo de denúncia na França, cujo sistema de justiça tem jurisdição universal em casos de tortura se os suspeitos estiverem em seu território, permite atribuir quase automaticamente o caso a um juiz de instrução.
Al-Raisi viajou várias vezes desde janeiro a Lyon (leste da França), onde fica a sede da agência internacional de cooperação policial Interpol.
Em um comunicado, os dois britânicos informam que "vão fornecer na quarta-feira as provas das torturas" das quais acusam Al-Raisi durante uma audiência "a pedido do juiz de instrução" da seção de crimes contra a humanidade.
O primeiro denunciante, Matthew Hedges, é um estudante de doutorado na Universidade de Durham, na Inglaterra, especialista nos Emirados Árabes Unidos. Durante uma entrevista coletiva em Lyon em outubro, ele explicou a suposta espionagem que sofreu durante uma viagem de estudos aos Emirados, onde alegou ter sido detido e torturado entre maio e novembro de 2018 e "forçado a fazer uma confissão falsa".
Hedges, condenado à prisão perpétua em novembro de 2018, recebeu indulto uma semana depois, em meio à pressão internacional.
Durante a coletiva de imprensa, Ali Issa Ahmad, agente de segurança de Wolverhampton (centro da Inglaterra), explicou que foi espancado várias vezes e até esfaqueado entre janeiro e fevereiro de 2019 no emirado de Sharjah.
Ahmad foi acusado de apoiar claramente a seleção de futebol do Catar, vestindo uma camisa com a bandeira do país rival dos Emirados Árabes Unidos durante uma partida da Copa da Ásia.
Para os denunciantes, Al-Raissi "é o responsável final pela tortura perpetrada contra eles pelas forças policiais dos Emirados". "Nada disso teria acontecido sem o consentimento ou envolvimento dele", asseguram.
- "Sem fundamento" -
Diante das acusações, o presidente da Interpol poderia usar sua imunidade diplomática? Uma fonte próxima ao caso disse à AFP que cabe ao juiz de instrução verificar se ele pode se beneficiar de tal mecanismo.
"Al-Raisi não tem imunidade", declarou em janeiro o advogado britânico dos denunciantes, Rodney Dixon. "Esperamos dele, como presidente da Interpol, sua total cooperação durante toda a investigação sobre seu papel nas torturas e nos abusos perpetrados", acrescentou.
Em seu comunicado, os denunciantes asseguram que iniciaram ações penais na Noruega, Suécia e Turquia, bem como uma ação civil no Reino Unido.
A presidência da Interpol é um papel essencialmente honorário, que Al-Raisi obteve em novembro após sua eleição pelos países-membros, apesar dos protestos de defensores de direitos humanos e líderes políticos.
A PNAT também abriu uma investigação preliminar contra o alto funcionário dos Emirados após uma denúncia de "tortura" e "atos bárbaros" pela ONG Gulf Center for Human Rights (GCHR).
A denúncia refere-se ao caso de Ahmed Mansoor, um dos principais defensores de direitos humanos nos Emirados. A Interpol disse em janeiro que este caso era "um assunto entre as partes afetadas".
Em um comunicado publicado em janeiro de 2020, o ministério das Relações Exteriores dos Emirados rejeitou as alegações "infundadas" da ONG sobre Mansoor.