Mohammadi, em entrevista à AFP antes do Nobel: mudança no Irã é ‘irreversível’

06 out 2023
Fique por dentro de todas as notícias pelo nosso grupo do WhatsApp!

A ativista iraniana Narges Mohammadi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, manifestou à AFP em setembro suas esperanças de mudança no Irã, apesar de não ter perspectivas de ser libertada da prisão e da dor de estar separada da sua família.

Na entrevista, respondida por escrito à AFP da prisão de Evin, em Teerã, ela insistiu em que o movimento de protesto que eclodiu há um ano no país contra a República Islâmica ainda está vivo.

Aos 51 anos, Narges passou grande parte das últimas duas décadas entrando e saindo da prisão, por sua luta incansável pelos direitos humanos no Irã. Por isso, está presa desde novembro de 2021 e não vê os filhos há oito anos.

Embora tenha acompanhado da prisão os protestos que explodiram após a morte, em 16 de setembro de 2022, de Mahsa Amini - detida sob a acusação de violar as normas iranianas sobre vestuário feminino -, ela afirma que o movimento expôs a insatisfação social.

"O governo não foi capaz de dobrar os protestos do povo iraniano, e acredito que a sociedade conseguiu coisas que enfraqueceram as bases do poder religioso-autoritário", escreveu a ativista, que também é jornalista.

Após observar que o Irã já havia experimentado repetidos surtos de protestos antes de setembro de 2022, acrescentou: "Temos visto ciclos de protestos nos últimos anos, e isso demonstra o caráter irreversível da situação".

Para Narges Mohammadi, após "44 anos de opressão, discriminação e regressão contínua do governo em relação às mulheres na vida pública e pessoal", os protestos aceleraram "o processo de democracia, liberdade e igualdade no Irã".

As manifestações contra a República Islâmica teriam envolvido, segundo ela, pessoas "fora das zonas urbanas e das classes instruídas", em um momento em que a autoridade religiosa estava "perdendo seu lugar" na sociedade.

"O enfraquecimento do elemento religioso criou um vazio que o governo não tem conseguido preencher com outros fatores econômicos e sociais, já que o governo é, essencialmente, ineficaz e corrupto", sublinhou.

Ela criticou duramente a política dos países ocidentais para com o Irã, porque "não reconheceram as forças e líderes progressistas do Irã e aplicaram políticas destinadas a perpetuar o sistema autoritário religioso no Irã".

Mohammadi lembrou que, hoje, cumpre uma pena combinada de 10 anos e nove meses de prisão, além de ter sido condenada a 154 chicotadas. Também há cinco processos abertos contra ela por suas atividades na prisão.

- "Um coração que se dilacera" -

"Praticamente não tenho nenhuma perspectiva de liberdade", afirmou a ativista iraniana, que diz "manter a esperança de ver a luz da liberdade e ouvir sua voz", enquanto organiza debates no pavilhão feminino de Evin.

Este "é um dos pavilhões de presas políticas mais ativos, resistentes e alegres do Irã", acrescentou a agora premiada, que se disse "orgulhosa" das cerca de 600 mulheres, com as quais compartilhou a detenção durante seus períodos atrás das grades.

"A prisão sempre foi o coração da oposição e da resistência no Irã e, para mim, também encarna a essência da vida em toda sua beleza", afirmou a nova Prêmio Nobel da Paz.

O custo de seu ativismo também foi imenso. Ela perdeu grande parte da infância de seus filhos gêmeos, Kiana e Ali, que agora vivem na França, junto com seu marido, Taghi Rahmani. Além de não vê-los há oito anos, devido às restrições aos telefonemas na prisão, ela está há mais de um ano e meio sem ouvir suas vozes - "uma dor insuportável e indescritível".

"O preço da luta não é apenas a tortura e a prisão, é um coração que dilacera a cada privação, um sofrimento que penetra até a espinha", descreveu.

Apesar de tudo isso - acrescentou -, "enquanto a democracia, a igualdade e a liberdade não forem alcançadas, devemos continuar lutando e nos sacrificando".


FONTE: Estado de Minas


VEJA TAMBÉM
FIQUE CONECTADO