Pode a COP28 salvar os controversos créditos de carbono?
Os cientistas quiseram enterrá-los, mas os países se beneficiam deles. Os créditos de carbono, que permitem às empresas compensar suas emissões de CO2 e vender voos, xampus ou café "neutros", poderiam ganhar terreno na COP28.
"A falta de normas, regulações e rigor no mercado voluntário de créditos de carbono é muito preocupante" e este instrumento não deve "minar os esforços reais de redução das emissões", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, durante 27ª conferência da ONU sobre o Clima, realizada no ano passado em Sharm El Sheikh, no Egito.
Criticados desde seu surgimento, após o Protocolo de Kyoto (COP3, em 1997), os créditos de carbono viveram seu pior momento em 2022-2023, do qual saíram com a credibilidade manchada por várias investigações jornalísticas e estudos científicos.
Concretamente, projetos que permitem proteger terras do desmatamento, substituir fogões a lenha ou instalar parques eólicos no lugar de uma termelétrica a carvão afirmam absorver ou armazenar mais CO2 do que se não existissem, e associam créditos de carbono a esse dióxido de carbono, sob certas condições.
Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que não foi emitida ou foi retirada da atmosfera, e uma empresa pode comprá-lo, por exemplo, para "compensar" suas próprias emissões de dióxido de carbono, ou seja, reduzir sua pegada de carbono no papel.
"Tenho estudado a qualidade dos créditos de carbono há 20 anos e sempre foi medíocre", afirma à AFP Barbara Haya, diretora do Berkeley Carbon Trading Project.
O estudo sobre projetos de desmatamento que sua equipe realizou é implacável.
A redução das emissões e os benefícios dos projetos estão superestimados e os direitos das comunidades locais são frequentemente violados. A independência dos inspetores encarregados de avaliar os projetos não é garantida. E as metodologias dos certificadores (Verra, Gold Standard...) que permitem vender os créditos de carbono são poucos rigorosos.
"O que convém a todos os atores é que se crie um máximo de créditos carbono", acrescenta a pesquisadora.
Conclusão: emitem-se créditos demais e a maioria não permite reduzir as emissões prometidas.
- "Dar credibilidade" -
Diante das críticas, o preço dos créditos de carbono despencou e passou para aqueles associados a projetos de proteção ambiental de 18 dólares por tonelada, em janeiro de 2022 (R$ 97, na cotação da época), a 6 dólares em janeiro de 2023 (R$ 30), e a menos de dois dólares (R$ 10) em meados de outubro.
Após atingir um teto de mais de 350 milhões de créditos emitidos em 2021, os volumes caíra sutilmente em 2022 e 2023, mas se mantêm acima dos níveis anteriores a 2020. Segundo as projeções da agência Bloomberg, podem chegar a 8 bilhões em 2050.
Mas as empresas não são as únicas que fazem promessas sobre a neutralidade de carbono. O artigo 6 do Acordo de Paris, cujos detalhes serão negociados na COP28, poderia permitir aos países investir de forma maciça no mercado dos créditos de carbono.
Os países em desenvolvimento contam com isso para se financiar. "É difícil dizer-lhes simplesmente, 'Chega'", admite uma especialista francesa em negociações climáticas. E as petroleiras veem nos créditos de carbono um meio barato de avançar para a "emissão líquida zero".
A presidência emiradense da COP28, organizada em Dubai, espera fazer "progressos" para "dar credibilidade aos mercados (de créditos de) carbono".
A Arábia Saudita já anunciou um mecanismo nacional de compensação das emissões de suas empresas, "alinhado com o artigo 6" do Acordo de Paris.
- Maquiagem verde em larga escala -
A imprensa também noticiou o preparo de acordos para que a Libéria ceda a proteção de suas florestas tropicais em 10% de seu território a uma empresa emiradense presidida por um membro da família no poder em Dubai, com o objetivo de obter créditos de carbono.
"O ativismo" destes países pode levar a "operações de maquiagem verde em larga escala", afirma Alain Karsenty, economista do Centro de Cooperação Internacional de Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento.
Cientistas e ONGs se posicionam pelo fim da compensação para passar a uma lógica de "contribuição": empresas e países que financiem projetos necessários para a redução de emissões sem usar créditos de carbono para alegar uma ilusória neutralidade de carbono.
Diante desta perspectiva quase utópica, Barbara Haya defende uma reescrita das metologias por parte de especialistas independentes, "sem conflitos de interesse" e com transparência nos dados.
"É possível no âmbito do sistema da ONU? Seria preciso que tenham vontade de fazê-lo. O que me preocupa é que as negociações parecem ir na direção contrária", conclui a pesquisadora.
FONTE: Estado de Minas