À espera de um milagre: fé e preces pela canonização de Padre Eustáquio
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Às vésperas de se completarem oito décadas da morte de um dos religiosos mais celebrados em Minas, o reconhecimento de um milagre separa Padre Eustáquio da glória da canonização. Embora não faltem relatos de curas, bênçãos recebidas e graças atribuídas à sua intercessão, para que o beato se torne santo é preciso que o Vaticano ponha um ponto final no processo iniciado há mais de 60 anos. Entre os casos investigados pelo Dicastério para a Causa dos Santos, em Roma, está o de um jovem curado de câncer, em Patrocínio, na região mineira do Alto Paranaíba, cidade onde Padre Eustáquio morou de outubro de 1941 a fevereiro de 1942.
Emoção, fé e esperança no sinal verde da Santa Sé prometem estar juntos em Belo Horizonte, na próxima quarta-feira (30), para lembrar os 80 anos de morte do holandês pertencente à bicentenária Congregação dos Sagrados Corações. Na data consagrada a Padre Eustáquio, juntam-se aos brasileiros 12 familiares holandeses do religioso, incluindo os sobrinhos Will van den Boomen e Jan van den Boomen, para participar das cerimônias no Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz, mais conhecido como Igreja Padre Eustáquio, no bairro de mesmo nome na Região Noroeste de Belo Horizonte. Também estará presente o postulador da causa de canonização, o padre polonês Andrzej Lukawski.
Na programação da chamada Festa de Padre Eustáquio, haverá missas, visita ao memorial, no qual se encontram os restos mortais do beato, procissão luminosa e inauguração de um museu (no segundo andar do teatro) com paramentos, objetos litúrgicos fotos antigas e novas e vídeos. É uma festa que impressiona e eleva o coração dos fiéis ver tantas demonstrações fervorosas: homens e mulheres de todas as gerações unidos pelo terço, por velas acesas, pelo silêncio individual respeitoso ou no coro harmonioso das orações.
Nascido Hubertus van Lieshout, em 1890, em Aarle-Rixtel, no Sul da Holanda, e sepultado em BH em 1943, o beato Padre Eustáquio viveu durante quase 20 anos no Brasil. Além de passagens pela região mineira do Alto Paranaíba, especialmente Romaria e Patrocínio, fez história em Poá (SP) e em Belo Horizonte. Na capital, deu início ao templo transformado em santuário, do qual só viu pronta a maquete, e conduziu muitas obras sociais.
Com fama de “milagreiro” e querido pelo povo, tanto pelo carisma como pela generosidade em todos os sentidos, Padre Eustáquio já é considerado santo no coração de uma multidão de católicos. Para homenageá-lo neste período, peregrinos em caravana vieram de Poá, no domingo passado, e manifestaram sua devoção, trazendo na bagagem muitas histórias relatadas pelos antepassados.
Vice-postulador da causa de canonização e reitor do Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz, padre Vinícius Maciel mantém a calma necessária sobre o reconhecimento de um milagre. “O processo está na fase final. Toda a parte histórica, documental, foi feita, e agora estamos pedindo a Deus que, pela intercessão de Padre Eustáquio, seja concedida a graça de um milagre, o que finalizaria o processo para ele ser declarado santo”, diz padre Vinícius, mestrando em ciência da religião na PUC Minas, em BH.
Legado inspirado em duas palavras
À medida que se aproxima a data da festa de Padre Eustáquio, na igreja dedicada ao beato, em Belo Horizonte, se intensifica a movimentação de fiéis, com ampla programação até quarta-feira (30) para reverenciar a memória do líder religioso cuja saudação era “saúde e paz”, palavras que batizam o santuário arquidiocesano onde fica o memorial com seus restos mortais.
Junto à lembrança pelos 80 anos do falecimento do sacerdote holandês, há outros marcos importantes nessa história. As celebrações começaram em 7 de abril do ano passado, quando se completaram oito décadas da chegada dele a BH, e prosseguem até 21 de julho de 2024, para festejar os 80 anos da criação da Paróquia dos Sagrados Corações. Para 2025, está prevista a comemoração do centenário da chegada de Padre Eustáquio ao Brasil.
Passado tanto tempo da morte do beato, seu legado se mantém atual e fortalecido em um mundo vitimado pela pandemia e aterrorizado pela guerra na Europa. “Padre Eustáquio traz a mensagem da paz, a mensagem da saúde em sentido bem amplo. Assim, seguir seu exemplo é, para nós, também ser mulheres e homens de paz, de reconciliação, de amor e de justiça”, ressalta o pároco e reitor padre Vinícius Maciel, vice-postulador da causa de canonização.
Para entender todos esses ensinamentos, tão necessários nos tempos atuais, é preciso conhecer as raízes de Padre Eustáquio, nas palavras do vice-postulador: “A força do seu testemunho é justamente a fidelidade a Jesus Cristo, e seu lema, saúde e paz, a forma de ler e comunicar o Evangelho de Jesus Cristo: o Evangelho da Saúde e da Paz”.
Vale destacar que o Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz foi assim nomeado em 2014, pelo arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo. Nas suas palavras, Padre Eustáquio, beatificado em cerimônia no estádio do Mineirão em 15 de junho de 2006, com público de 70 mil católicos, foi um “evangelizador notável, com presença terna e servidora entre todos, especialmente os mais pobres”.
Segundo o arcebispo, a trajetória do beato marcou o coração do povo mineiro, em particular do belo-horizontino. “Padre Eustáquio saudava cada pessoa com votos de saúde e de paz, indicando pilares essenciais para uma vida digna. Pilares conquistados também pelo essencial caminho do cultivo da espiritualidade”, afirma. “Rememorar os 80 anos do falecimento é convite a se inspirar na vida desse bem-aventurado, missionário da saúde e da paz”, completa.
São ensinamentos que atravessaram décadas, ecoam com grande ajuda na evangelização dos novos tempos e servem de exemplo. “Vivo seus ensinamentos no meu ministério, também suplicando, em preces, para a vida de cada pessoa que encontro – para a vida de todos – copiosas bênçãos de muita saúde e paz”, testemunha dom Walmor.
O exemplo de Padre Eustáquio constitui, explica o arcebispo, uma escola para aprender a seguir com mais fidelidade os passos de Jesus. “Com sua bondade, seu jeito simples e acolhedor, o bem-aventurado se inscreveu, para sempre, no coração do amado povo de Deus. Assim, ainda hoje, mesmo tantos anos depois de sua morte, suas lições continuam a ser transmitidas de geração a geração. Celebremos, todos, a vida de Padre Eustáquio, fortalecendo nosso compromisso de também buscarmos ser, sempre, missionários da saúde e da paz.”
Ideal, perseguição
exílio e redenção
Fotos, documentos, objetos e relatos tornam sempre viva e forte a história de Padre Eustáquio. Em uma sala do Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz, é possível ver um retrato, do início da década de 1940, de Padre Eustáquio cercado de paroquianos e autoridades diante da maquete do templo que se tornaria Igreja dos Sagrados Corações, em função do nome da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, fundada em 1800, na França, e à qual o líder religioso pertenceu desde o noviciado.
As fotos parecem puxar as linhas do tempo e trazer à tona a trajetória do padre cuja inspiração estava no ideal missionário de São Damião de Molokai (1840-1889). Da mesma congregação, o religioso belga viveu por 16 anos (de 1863 a 1889) na ilha Molokai, no Havaí (antigo reino), cuidando de leprosos – como então eram chamados os portadores de hanseníase. Morto em decorrência da doença, foi beatificado em 1995 e canonizado em 2009.
Ao Brasil, Padre Eustáquio chega em 1925, e parte para Água Suja, atual Romaria, na região mineira do Alto Paranaíba, onde permaneceu por 10 anos. Se no país ele viveu dias de plenitude, encontrando terreno fértil para semear fé e obras sociais, passou também por momentos de extrema tensão, muitas vezes obrigado a se proteger das multidões, que o procuravam em busca de “milagres”, e daqueles que viam nele uma ameaça, tal a força de carisma e socorro aos necessitados, que chegou a lhe valer a alcunha de “Pai dos pobres”.
Sobre seu novo destino, o padre Venâncio Hulselmans escreveu no livro “Padre Eustáquio – o Vigário de Poá” (1944): “Água Suja e vizinhanças eram afamadas não só pela sua excelsa padroeira, Nossa Senhora da Abadia, como pelo diamante azul encontrado em jazidas importantes nas encostas do córrego Água Suja e do Rio Bagagem; a maior fama, porém, corria pela ausência de vigilância quanto à observação das leis civis, eclesiásticas ou morais”.
Após promover grandes mudanças e terminar sua missão em Água Suja, Padre Eustáquio seguiu para Poá (SP), tornando-se o pioneiro titular da Paróquia de Nossa Senhora de Lourdes. Em 1936, após viagem à Europa, retorna à cidade trazendo água, considerada milagrosa, da gruta de Nossa Senhora de Lourdes, na França.
Ele “multiplica” infinitamente o líquido e, conforme o livro do padre Venâncio Hulselmans, são inúmeros os relatos de curas com a chegada “de romeiros de todas as partes à procura da fonte dos milagres”. Jornais (“O Diário da Noite”, “Folha da Manhã”, “O Dia” e “A Plateia”) mostravam na época “legiões de enfermos de todo o Brasil em busca da água milagrosa de Poá”.
partida Após seis anos, grande parte deles conturbados, e ao final de profundo esgotamento, Padre Eustáquio deixa Poá (antes ligado a Mogi das Cruzes, hoje município da Região Metropolitana de São Paulo) e vive tempos de exílio em cidades paulistas, mineiras e no Rio de Janeiro. Em Minas, mora em Patrocínio, depois segue para Ibiá, onde permanece por menos de um mês.
Seu último destino foi BH, onde, apesar de só ter permanecido por menos de um ano e meio, conquistou tamanha admiração que se tornou nome do bairro em que ficava sua paróquia, da principal rua da comunidade e sinônimo do templo que ajudou a planejar e no qual é reverenciado até hoje. O religioso holandês chegou à capital em 2 de abril de 1942 e, seis dias depois, tomou posse como vigário da Paróquia São Domingos, onde hoje é o Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste.
Na época, rezava na Capela Cristo Rei, perto do Aeroporto Carlos Prates. O sonho de ver pronto o que é hoje o Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz não se concretizou, pois o holandês morreu em 30 de agosto de 1943, por complicações da picada de um carrapato. Mas, três meses antes, ele lançou a pedra fundamental do templo, em terreno doado pelo então prefeito de BH, Juscelino Kubitschek (1902-1976).
FONTE: Estado de Minas