Chamada de ‘Vó Preta’, doméstica foi mantida em condições análogas à escravidão por 3 gerações em MG; patrões terão que pagar R$ 2 milhões em indenização

20 nov 2023
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À Justiça, auditor fiscal da Receita disse que trabalhadora teria sido um 'presente de casamento’ da família da esposa. Caso foi julgado em Juiz de Fora à revelia da vítima que tem 63 anos e não quis processar os patrões. Um auditor fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais e a ex-esposa dele foram condenados a pagar indenização de R$ 2 milhões por manter uma empregada doméstica sem salário, em condições análogas à escravidão, por mais de 40 anos.

A trabalhadora, atualmente com 63 anos, também vai receber todos os direitos trabalhistas retroativos e pensão para custear gastos com moradia, além de assistência psicológica.

A escravizada chegou a abrir o processo, mas voltou atrás da decisão. No entanto, como o assunto é de interesse público, o Ministério Público do Trabalho (MPT), na 2ª Vara de Juiz de Fora, manteve a apuração da denúncia à revelia da vontade dela. Para manter a identidade da trabalhadora preservada, o g1 optou por não divulgar os nomes dos réus.

De acordo com o processo, a relação ilegal aconteceu entre 23 de janeiro de 1982 a 10 de março de 2022, até uma denúncia anônima ser feita à Justiça. Uma filha do casal, após romper relações com a família, também ajuizou ação no Tribunal Regional do Trabalho.

Após fiscalização feita por uma Procuradora do MPT e três auditores fiscais do trabalho foi constatado o vínculo empregatício, e, também, do trabalho escravo contemporâneo.

Longa relação

Conforme o processo, a doméstica já morava com a avó e a tia-avó da ré desde os 10 anos da idade, ainda na década de 1970. Com o casamento da ré com o auditor, ela passou a residir com a família em Juiz de Fora, Januária, São João Del Rei e Ubá, conforme mudanças do casal.

Durante anos, a doméstica foi responsável pelos trabalhos domésticos como limpar, passar e cozinhar para todos da família, cuidando também das duas filhas do casal e, posteriormente, dos netos dos empregadores e até mesmo da ré, já idosa, sem nunca ter recebido salário ou qualquer verba trabalhista.

Em defesa, os réus contestaram sob o argumento principal de que “a relação existente entre eles era familiar e não trabalhista.”.

Conforme a ação, a mulher tinha uma puxada rotina de trabalho:

não existia folgas determinadas;

não havia intervalos determinados;

estava à disposição da família em tempo integral, inclusive após o jantar e também aos fins de semana;

não tinha dia de descanso e quando a família viajava de férias ia com o grupo, mas sempre auxiliando nos cuidados com as filhas dos casal.

O processo ainda aponta que ela exerceu “condição de babá das filhas do casal, e assim foi até as mesmas atingirem maturidade financeira e profissional”.

Em depoimento, a trabalhadora disse ser comumente chamada de “Vó Preta” pelos netos do casal.

Nos 10 anos finais da relação, ela teria passado a receber entre R$ 450 e R$ 500 por mês.

Condenação

No entendimento do juiz Fernando Cesar da Fonseca, que julgou o caso, a fala do réu, ao afirmar que a trabalhadora ‘teria sido um presente de casamento, por si só demonstra que a submissão foi instada desde o início da relação.

Para o magistrado, a atitude se equipara, ""Aos antigos padrões escravocratas, onde o indivíduo era tratado como um objeto, uma mercadoria e, ao que vê, um presente”.

Neste sentido, foi fixada indenização por danos morais no valor de R$ 300 mil.

Os réus também foram condenados ao pagamento de aluguel, condomínio e IPTU de imóvel independente, a ser alugado para a mulher e ao pagamento da pensão mensal, por depósito bancário na conta aberta em nome dela.

No campo trabalhista, também deverão ser quitado os seguintes encargos:

Salários;

Aviso prévio indenizado de 90 dias;

13º salário;

Férias + 1/3 (inclusive com a dobra de que trata o art. 137 da CLT);

Horas extras laboradas além da oitava diária e/ou da quadragésima quarta

Semanal, além daquelas decorrentes da supressão do intervalo interjornada, com reflexos;

Repouso Semanal Remunerado laborados durante todo o contrato em dobro, com reflexos;

Os réus também foram condenados a oferecer assistência multidisciplinar, composta por psicólogo e assistente social.

Na ação, é levantada a possibilidade vítima continuar residindo com a ré, atualmente separada do auditor, porque a sua retirada do núcleo familiar ainda depende da prévia avaliação de uma equipe multidisciplinar. Porém isso deve ocorrer desde que não haja mais qualquer vínculo de subordinação e que a trabalhadora possa aceitar ou recusar a divisão de moradia.

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FONTE: G1 Globo

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