Chile acelera aprovação de lei controversa diante do aumento de crimes violentos
O assassinato de uma sargento da polícia durante uma operação contra delinquentes em uma cidade do Chile foi o último exemplo do aumento dos crimes violentos em um país que é considerado um dos mais seguros da América Latina.
A criminalidade armada, as mortes por encomenda, as extorsões e o tráfico de pessoas são a principal preocupação dos chilenos, segundo pesquisas de opinião, e pressionam o Governo e o Congresso a tratar uma série de leis contra o crime, entre elas uma considerada por organizações internacionais como oportunidade para o abuso de autoridade pelas forças policiais, o chamado "gatilho fácil".
A oposição de direita defende o rigor da lei.
"Tivemos uma importação dos crimes aos quais não estávamos acostumados no Chile. Isso, acompanhado de um Governo para o qual a segurança nunca foi prioridade", declarou à AFP o deputado opositor Andrés Longton, da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados.
A sargento Rita Olivares, de 43 anos, mãe de dois filhos, foi baleada assim que saiu da viatura para atender a uma denúncia por roubo em Quilpué, cidade a 120 quilômetros de Santiago.
Sua morte foi a gota d'água para os chilenos, que nos últimos anos vivem uma deterioração da segurança e o aumento de todos os crimes, especialmente os mais violentos.
- Crimes violentos em alta -
Em 2022, os homicídios cresceram 33,4% em relação ao ano anterior, segundo dados da sub-secretaria de Prevenção da Criminalidade.
O número representa a segunda maior variação na América Latina, perdendo apenas para o Equador, onde se observou um aumento de mais de 80% deste tipo de crime.
Os roubos violentos aumentaram 63,1% em 2022 e os de automóveis, 39,8%.
O presidente chileno, Gabriel Boric, acusado por seus opositores de ter alimentado um discurso de esquerda contra a polícia durante os protestos sociais multitudinários de 2019, mudou o discurso para apoiar as ações contra a criminalidade.
"São os criminosos que devem sentir medo, não as instituições, muito menos os cidadãos honestos e trabalhadores, que são a grande maioria", afirmou o mandatário, após prometer aplicar toda a força da lei aos assassinos de Rita Olivares.
O combate à criminalidade não era uma prioridade no programa de Boric, concentrado em aumentar os direitos sociais. Mas com os crimes se tornando a principal preocupação dos chilenos, "há uma necessidade muito grande de que o governo pareça politicamente preocupado com a ordem pública", afirmou à AFP Maria Cossette Godoy, diretora da Escola de Ciência Política da Universidade Diego Portales.
- Abuso policial -
Os deputados aprovaram em tempo recorde e com amplas maiorias as seis primeiras leis anti-criminalidade - a maior parte delas leva nomes de vítimas. Por meio delas, buscam garantir a legítima defesa dos policiais, assim como tipificar crimes não contemplados no país, como extorsão e homicídios por encomenda.
Agora, o Senado deve analisar essas normativas e as observações do governo sobre a controversa lei "Naín-Retamal", que estabelece "a legítima defesa privilegiada" dos policiais para deixá-los "isentos de responsabilidade criminal" quando atuarem em legítima defesa, de terceiros ou para impedir um crime.
Para Rodrigo Bustos, diretor da Anistia Internacional no Chile, essa lei "implicaria em um enorme retrocesso em matéria de direitos humanos".
A Polícia Chilena enfrentou fortes questionamentos na gestão dos protestos sociais, que eclodiram em 18 de outubro de 2019 com uma extensa pauta de reivindicações. Os protestos terminaram com trinta mortos e milhares de feridos.
"Esta pretensão de dar imunidade ao uso da força é altamente perigosa e pode provocar situações de abuso de autoridade, de uso da força quando não é justificada", alertou em declarações à AFP o advogado chileno e especialista em segurança Francisco Cox, que investigou o caso dos 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa (México) por indicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Mas modificar a legislação é urgente, pois os novos crimes e as quadrilhas do crime organizado têm florescido no Chile, aproveitando-se de uma normativa deficiente.
"Há vários fatores que explicam o aumento atual da criminalidade: vê-se uma desconexão geral do sistema de justiça penal com a realidade criminal atual e problemas, tanto no processo do crime, quanto uma fragilidade sustentada da autoridade, como no julgamento e imposição de penas idôneas e reais", explicou à AFP Tatiana Vargas, professora de direito penal da Universidade de Los Andes.
FONTE: Estado de Minas