Corte IDH conclui histórica audiência sobre aborto contra El Salvador
A Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu, nesta quinta-feira (23), a primeira audiência de sua história sobre o aborto com o caso "Beatriz vs. El Salvador", no qual uma mulher salvadorenha foi proibida de interromper a gestação mesmo com sua vida em risco.
O caso agora depende da deliberação da Corte IDH, sediada em San José, que deve proferir sua sentença em aproximadamente seis meses.
Beatriz (nome fictício), diagnosticada em 2013 com uma doença autoimune, o lúpus eritematoso sistêmico, teve negado o aborto apesar dos riscos e do fato de o feto apresentar anencefalia, a ausência de desenvolvimento cerebral durante a gravidez.
Apesar da inviabilidade do feto, as autoridades negaram o aborto e 81 dias mais tarde os médicos a submeteram a uma cesárea. O bebê morreu cinco horas depois.
Beatriz morreu em 2017 em um acidente de trânsito. A Corte iniciou em 2022 seu caso contra o Estado de El Salvador, o país com uma das legislações mais restritivas do mundo sobre o aborto, que é proibido em todos os casos sob pena de prisão de dois a oito anos, segundo a organização Human Rights Watch (HRW).
Além disso, tribunais salvadorenhos costumam classificar o aborto como homicídio qualificado, aumentando a pena para 30 a 50 anos de prisão.
Na América Latina, o aborto é legal em Argentina, Colômbia, Cuba, Uruguai e em alguns estados do México. No Brasil e no Chile é ilegal, exceto nos casos de risco para a saúde da mãe, ser fruto de um estupro ou de malformações no feto.
Em El Salvador, Honduras, Nicarágua, Haiti e República Dominicana é absolutamente proibido.
- Descriminalizar o aborto -
A advogada Gisela de León, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e representante da família de Beatriz, explicou na audiência que a posição de El Salvador "parte da proteção absoluta do direito à vida do nascituro invisibilizando completamente os direitos das mulheres".
Para De León, o Estado considera o aborto uma conduta "dolosa" que "pretende eliminar a vida dos nascituros" e, portanto, o "criminaliza".
"O Estado tem que adotar medidas, entre as quais a descriminalização do aborto", afirmou.
"O que a gente quer mesmo é que outras mulheres não sofram o que minha irmã passou", disse à AFP o irmão de Beatriz, Humberto (nome fictício), de 30 anos.
- Interferência do Estado -
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) participou do julgamento como promotora, depois de ter investigado o caso em primeira instância e afirmado que "o Estado não pode interferir arbitrariamente" na decisão das mulheres sobre sua reprodução.
A secretária executiva da Comissão, Tania Reneaum, explicou que El Salvador "incorreu em responsabilidade por omissão" já que a lei "não garantiu o acesso à interrupção da gravidez".
"Os direitos à vida, à integridade pessoal, à saúde e à vida privada que poderiam ser beneficiados durante a interrupção da gravidez foram limitados em vista da criminalização do aborto", declarou Julissa Mantilla, comissária relatora da CIDH para El Salvador.
O médico que atendeu a mulher salvadorenha em sua primeira e segunda gestações, o ginecologista Guillermo Antonio Ortiz, disse à AFP que a junta médica determinou que "era necessário fazer um aborto naquele momento (12 semanas de gravidez) para evitar que ela sofresse danos à saúde ou até morresse".
- Direito à vida -
Em defesa do Estado salvadorenho, a advogada Juana Acosta destacou que o aborto implica "conduta dolosa", pois "quando a intenção direta buscada é destruir o nascituro ou buscar sua morte, então se concretiza a causa criminosa".
A advogada Ana María Hidalgo, que também defendia El Salvador, argumentou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que todas as pessoas são consideradas "seres humanos sem distinção".
"Este caso envolve dois seres humanos e, portanto, dois titulares de direitos convencionais, Beatriz e sua filha", disse Hidalgo, argumentando que o direito à vida é intrínseco ao ser humano e que o feto de Beatriz, pelo fato de ser considerado um ser humano, tinha o direito de nascer.
Em seu argumento final, Hidalgo perguntou ao tribunal se o feto "é considerado não humano, a que outra espécie pertence?"
FONTE: Estado de Minas