Estupro no Santo André: uma vítima e três possíveis crimes
Fique por dentro de todas as notícias pelo nosso grupo do WhatsApp!
Desde o fim de semana, a ocorrência envolvendo a jovem de 22 anos que foi estuprada no Bairro Santo André, na Região Noroeste de Belo Horizonte, após sair de um show de pagode no Mineirão, tem gerado questionamentos sobre a responsabilidade das pessoas envolvidas na ocorrência, que partem especialmente da família da vítima. Embora haja uma sequência cronológica entre os fatos, só as investigações poderão determinar se há nexo causal entre eles e se outros crimes, além do estupro, foram cometidos.
Isso porque, tanto o fato de a vítima ter sido abandonada desacordada em uma via pública, de madrugada, quanto a violação sexual sofrida por ela, são crimes passíveis de condenações separadas. Diante disso, o Estado de Minas ouviu uma especialista em direito penal para entender quais os crimes que podem ser apontados no caso, considerando o que foi divulgado pela polícia até o momento.
Conforme o boletim de ocorrência, registrado na manhã de domingo (30/7), a jovem começou a ser exposta a situações de perigo ao sair de um evento na Região da Pampulha. Na ocasião, por volta das 2h, um amigo que estava com ela no show a colocou, sozinha, em um carro de aplicativo. Apesar de terem compartilhado a localização da viagem com um irmão da jovem, informações iniciais dão conta que ela já estava em situação de vulnerabilidade, devido à quantidade de bebida alcoólica ingerida, como relatado pela família da vítima.
Para a advogada e integrante da Comissão Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) Thalita Arcanjo, pelo que foi divulgado até agora não há nenhum indício de que as pessoas que estavam com a vítima até o momento em que ela ingressou no carro de aplicativo tenham cometido algum crime pelo qual possam responder judicialmente, apesar de o comportamento delas ser “moralmente discutível”. A especialista explica, no entanto, que caso seja comprovado que a jovem já estava desacordada no momento em que foi colocada no veículo, os responsáveis podem responder por abandono de incapaz.
“O que a gente sabe até o momento, é que ela estava acordada quando o amigo a colocou no carro. Se a situação fosse outra, se ela estivesse desacordada, ele poderia ser autuado por abandono de incapaz. Mas o que sabemos até agora é que ela estava embriagada e o amigo tomou a providência de pedir um transporte, na intenção de mandá-la para casa. Moralmente ele está errado. Em uma visão ética, ele deveria ter ido embora com ela ou a levado para algum lugar para se recuperar. Mas, sob uma visão criminal, ele não cometeu nenhum crime”, explica Thalita.
ABANDONO Um dos pontos que têm sido mais discutidos em relação à ocorrência é o momento em que ela é abandonada desacordada pelo motorista de aplicativo. De acordo com o boletim de ocorrência da Polícia Militar, a jovem chegou à porta do prédio em que mora, no Bairro Santo André, por volta das 3h. Câmeras de segurança instaladas na via mostram o momento em que o veículo que a transportava chega ao endereço. Em seguida, o motorista desce e aparece tocando o interfone, depois de algumas tentativas ele tira a jovem de dentro do carro com a ajuda de um motociclista, a deixa escorada em um poste e vai embora depois de tocar o interfone novamente.
Thalita afirma que o homem pode responder por abandono de incapaz com agravante por ser em local ermo – uma vez que já era madrugada e a rua estava vazia. Segundo o Código Penal Brasileiro, o crime ocorre caso uma pessoa que está sob os cuidados, guarda, vigilância ou autoridade de outra, e, por qualquer motivo, esteja incapaz de se defender, seja abandonada. No caso do motorista de aplicativo, a “guarda” foi empregada a partir do momento em que ele aceitou a corrida e levou a jovem até sua casa.
Caso seja processado e condenado, o homem pode pegar de seis meses a três anos de detenção. Entre os agravantes da pena estão situações em que o abandono resulte em lesão corporal de natureza grave ou morte.
“O caso do motorista de aplicativo pode ser tipificado por abandono de incapaz, uma vez que ela estava sob os cuidados dele. Ao perceber que a vítima, por exemplo, estava desacordada, ele poderia ter acionado o 190 ou o Samu e relatado a situação. Mas ele escolheu deixá-la desacordada na rua”, diz a advogada.
DOLO EVENTUAL Outro ponto levantado pela especialista é a possibilidade de o motorista também poder responder por participação no crime de estupro de vulnerável, que ocorreu após a jovem ser deixada por ele na rua. Nesse caso, parte da responsabilidade do crime seria aplicada a ele caso fosse comprovado que sua atitude anterior, ou seja, abandoná-la na rua, foi tomada com a intenção de que ela sofresse a violência sexual. “A lei estabelece que quem, com seu comportamento anterior, cria situações para a ocorrência de um crime, também responde pelo resultado. Mas, é preciso comprovar o dolo. Nesse caso, a comprovação de que ele sabia que ela poderia ser estuprada”, explica.
Outra forma de o profissional poder ser enquadrado no crime de estupro de vulnerável é diante a modalidade do “dolo eventual”. Nesse caso, ficaria comprovado que ele, ao abandonar a vítima, assumiu o risco do que poderia ter acontecido com ela, ou não se importava com possíveis consequências.
Em entrevista ao Estado de Minas, uma irmã da vítima disse que todos buscam explicação para o fato de o motorista ter deixado a jovem na rua. “Ele vai ter que responder por que a deixou ali, daquele jeito. A integridade dela era responsabilidade dele. Ele teve a oportunidade de não a colocar no carro dele, poderia recusar a corrida. Ele também poderia tê-la levado para um hospital, ele estava a 400 metros do Odilon Behrens. É uma região extremamente perigosa e ele simplesmente a deixou lá. Ele sabe que ali é uma região muito perigosa. Ele a deixou à mercê de qualquer coisa naquele momento e foi o que aconteceu.”
ESTUPRO DE VULNERÁVEL O último homem envolvido na ocorrência já foi identificado pela polícia e segue preso suspeito de ter estuprado a jovem. Identificado como Wemberson Carvalho da Silva, o suspeito está detido preventivamente em presídio na Região Metropolitana de Belo Horizonte e é investigado por estupro de vulnerável.
No dia em que a jovem foi encontrada seminua em um campo de futebol, o homem negou ter cometido o crime e optou por ficar calado. No entanto, ele foi identificado em imagens de câmeras de segurança. Conforme as gravações, ele teria passado pela vítima cinco minutos depois de ela ser abandonada no meio-fio. Em seguida, olha para os lados, coloca a jovem nos ombros e sai do local. Mais adiante, o homem é visto entrando em uma rua estreita, ainda carregando a vítima. Algumas horas depois, ele é flagrado por câmeras saindo do local, mas, dessa vez, sem a jovem.
O caso, que foi colocado sob segredo de Justiça, ainda está sendo investigado e, por isso, o homem ainda não foi indiciado pelo crime. Se isso acontecer, o Ministério Público ainda terá que aceitar a denúncia da Polícia Civil. Se a denúncia for aceita ele vira réu e vai a julgamento
Na terça-feira, a Justiça mineira determinou a manutenção da prisão do suspeito. Após o resultado, a família se disse aliviada. “A gente estava muito ansioso, porque ele é réu primário. Graças a Deus, a juíza de plantão decidiu mantê-lo preso. A fundamentação da juíza não nos foi passada, porque está em segredo de Justiça. Não temos acesso”, disse uma irmã da vítima à reportagem.
HIPÓTESES
Confira os delitos que podem estar envolvidos no caso
» Estupro de vulnerável: o suspeito detido preventivamente pode ser indiciado por estupro de vulnerável, já que a vítima estava desacordada
» Abandono de incapaz: o motorista de aplicativo que deixou a jovem na rua pode responder por abandono de incapaz com agravante por ser em local ermo. Amigos da vítima que chamaram o carro também podem ser processados, se for demonstrado que ela já estava desacordada quando entrou no veículo
» Dolo eventual no estupro – O motorista pode responder pelo crime se comprovado que ele, com seu comportamento anterior, criou situações para a ocorrência de um crime
Fonte: Thalita Arcanjo, advogada
FONTE: Estado de Minas