Grupos red pill destilam ódio a mulheres nas redes sociais
“Se tirar o sexo da mulher, não sobra nada.” Assim começa uma publicação em um grupo do Facebook intitulado “Elite RedPill”. Este é só um dos exemplos de como homens que se identificam como RedPill falam sobre as mulheres em comunidades privadas nas redes sociais.
Para ter acesso ao conteúdo, a equipe do Estado de Minas se infiltrou em grupos do WhatsApp e do Facebook para entender os posicionamentos desses homens em um ambiente privado. Além disso, a reportagem coletou comentários no perfil de Thiago Schutz, que ficou conhecido como "Calvo da Campari", no Instagram.
Na maioria das publicações, há um discurso de ódio contra as mulheres, especialmente as mães solo – que eles chamam de “msol” –, as acima de 30 anos – “balzacas”–, e as feministas.
“A verdade é essa. Não é falar mal de mulheres, é falar a verdade. Mulheres são seres que só sugam a energia do homem, o cara casado ou num relacionamento não escapa”, publicou um dos membros do grupo, junto com uma foto dele. No post, ele diz que quando um homem entra em um relacionamento com uma mulher, ele perde uma parte dele. E, por isso, ele defende que homens devem se abster de ficar com mulheres. “Caso contrário é dividir tudo, atenção e tempo”, termina.
Na publicação, outro homem comenta, concordando com a legenda. Para ele, o movimento red pill é uma “luta orgânica pela emancipação da sexualidade masculina e pelo fim da escravidão dos homens”.
O mesmo homem é o responsável pela publicação citada na abertura desta reportagem. Ele defende que é muito mais barato ter relações com uma garota de programa do que estar em um relacionamento. “Só prestam para aquilo mesmo, mais nada”, afirma.
Nos comentários, diversos homens concordam que estar em um relacionamento é perder a liberdade. Um deles chega a dizer que segue as religiões mgtows (homens que seguem o próprio caminho), sigmas (homens que vivem isolados) e incels (celibatários involuntários).
Conselhos amorosos
Outro grupo que o Estado de Minas observou foi o RedPill Community. Nele, os homens são de diversos países, como os Estados Unidos. Na comunidade, há diversos homens que compartilham casos de suas vidas, pedindo conselhos.
Em uma publicação, um homem lamenta que as mulheres não se adequam à agenda dos homens. “Acabei de bloquear uma garota e excluir nossa conversa porque ela quer ser a pessoa dominante no relacionamento e ditar como ele será. Esqueça… ela nem era gostosa o suficiente”, postou, encontrando apoio de diversos companheiros do grupo. “Mesmo se ela for gostosa, ainda não vale a pena. Ela tem que trabalhar para ter um relacionamento. Não você”, diz um comentário.
Outra postagem pede para que os homens não se relacionem com mulheres acima de 30 anos. “Você não receberá nada além de sobras de outros relacionamentos. E você não será nada além do plano de aposentadoria dela”, diz o homem, ressaltando que o conselho vale para mulheres acima de 25 anos.
No meio de tantos “conselhos”, um post chama a atenção: um homem diz ter percebido muitos comentários misóginos no grupo, o que não seria o intuito da comunidade. “O significado de tomar a RedPill é melhorar a si mesmo financeiramente, fisicamente e mentalmente e conseguir as mulheres que você gosta.”
Apologia à violência
Apesar do post ter encontrado respaldo entre outros membros do grupo, outras publicações incitam ainda mais diretamente a violência contra as mulheres. Como a de uma postagem em que uma mulher bate, com as mãos, na porta de um táxi e, em seguida, tenta entrar no carro. O motorista salta do veículo e prende a mulher entre a porta e, com a outra mão, bate nela. O homem é ovacionado nos comentários e chamado de herói.
Nos grupos brasileiros, a violência contra mulher é invisibilizada. “Como já é do conhecimento de muitos, a Lei Maria da Penha nasceu de uma mentira feita pela senhora Maria da Penha. Como confiar em uma justiça que acredita e cria leis baseado em mentiras?”, diz um homem ao compartilhar uma entrevista com o ex-marido de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveiros, que tentou feminicídio duas vezes contra a então companheira.
Em outro post, o alvo é uma declaração da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves (PT). Durante o Dia da Mulher, ela criticou ideologias que pregam a superioridade masculina, amplamente difundidas em redes sociais. Além disso, a ministra anunciou medidas para a redução da desigualdade salarial entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo.
“O que vai acontecer? Vai ser criado mais privilégios e leis a favor delas. E ainda tem cara que vem colocar link de assinaturas contra misandria”, reclama o homem.
Os comentários criticando as leis de proteção para as mulheres também foram feitos publicamente, no perfil de Thiago Schutz. No vídeo, ele aponta sinais vermelhos das mulheres que os homens precisam observar antes de um relacionamento.
“Só de pensar que vivi uns 2 anos com uma mulher extremamente nesse perfil. É literalmente desse jeito: vai bater a cabeça na parede e depois vai chorar e tirar foto dizendo que foi você que fez”, comentou um homem, que recebeu diversos apoios dizendo que o homem sempre sai prejudicado.
Outro pergunta sobre uma lei “Mário da Penha”, após uma mulher comentar no post: “Resumindo: desequilibradas emocionalmente. Aí o homem se defenda, ainda sai como o errado da história”. Em outro comentário, um homem diz que apanhava da namorada. “O dia que eu a empurrei (para parar de me bater) tomei uma Maria da Penha”.
Vale destacar que, segundo o Atlas da Violência, 80% das vítimas de violência doméstica são mulheres. Sobre as possíveis denúncias falsas, é importante lembrar que, muitas vezes, a vítima não consegue provar que sofreu uma violência, além de ser contestada por policiais e investigadores.
Colocando os homens como grande vítimas de relacionamentos com mulheres, a influenciadora de viagens Jéssica Lopes compartilhou mensagens que seu namorado recebeu de um homem RedPill. Ele alega que, por ela viajar sozinha ou com amigos homens, o namoro seria um relacionamento abusivo.
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Mães solo
A repulsa por mães solo é evidente. Em uma publicação no grupo do Facebook, um meme retrata uma mulher com duas crianças e um homem beta. “Pai é quem cria. Cansei de moleques, quero homem de verdade”, diz a imagem, chamando as “msol” de tentações que acabaram com a paz do homem no dia de hoje.
Outra imagem usa uma montagem de um monstro da franquia "Star Wars", com elementos femininos. “Só saio com cavaleiros que pagam tudo para mim”, diz o meme.
De novo, esse tipo de comentário não é restrito a grupos privados. “Msol tem contas pra pagar, tem gás pra trocar e muitas ainda tem que sair da casa dos pais e é assim que elas abrem a temporada de caça aos betas pagadores de boletos”, diz um tweet de uma conta pública, que pretende “alertar” os homens sobre os perigos das mães solo.
Mulheres acima dos 30 anos que ainda estão solteiras, independente de terem ou não filhos, também são um alvo comum entre os RedPill brasileiros. Chamadas de balzacas, elas são consideradas “encalhadas” e dependem da boa vontade de um homem para “salvá-la”.
FONTE: Estado de Minas