Juliette dilui identidade artística, entre goles de amor-próprio, no arrastão pop do álbum ‘Ciclone’
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Capa do álbum 'Ciclone', de Juliette
Juliana Rocha Resenha de álbum Título: Ciclone Artista: Juliette Edição: Rodamoinho Records / Virgin Music Brasil Cotação: ★ ★ 1/2 ♪ Juliette está com discurso pronto nas entrevistas que tem dado para promover o primeiro álbum de estúdio da carreira iniciada em 2021 com EP pautado pela doçura e por músicas de sotaque nordestino. A artista paraibana sustenta – com razão – que se interessa por outros ritmos e que, no atual disco, se permitiu ir além dos gêneros musicais da região onde nasceu em dezembro de 1989. Só que a teoria, na prática, é outra. No mundo desde a noite de ontem, 24 de agosto, Ciclone promove arrastão pop na discografia da cantora e compositora. Entre goles de amor-próprio, combustível de letras empoderadas como a de Quase não namoro (Lary, Juliano Valle, Elias Mafra e Juan Marcus), faixa já lançada em single que uniu Juliette com Marina Sena, a artista dilui a identidade artística ao longo das nove músicas do álbum Ciclone. A perda da identidade não aconteceu porque Juliette extrapolou a fronteira nordestina do EP de 2021, mas porque apresenta músicas feitas em escala industrial e gravadas com som sem singularidade. Não por acaso, nada menos do que onze nomes – Filipe Toca, Clara Valverde, Pump Killa, Juliano Valle, Tiê Castro, Lary, Jenni Mosello, Dilsinho, Pedro Felipe e Rapha Oliveira, além da própria Juliette – são creditados como compositores de Nós dois depois, música cantada por Juliette com Dilsinho em levada que remete a um pálido R&B. Falta a alma que se insinua na canção-título Ciclone (Seu Pereira e Juliette), cuja letra flagra o eu-lírico feminino em processo de libertação de relacionamento abusivo. Se existe uma unidade no álbum, ela reside no conjunto das letras diretas, escritas sem rebuscamentos, na primeira pessoa, com narrativa feminina de linguagem simples e com os tais goles de amor-próprio citados na já citada Quase não namoro. “Se não abrir a porta / Eu quebro a janela / Cês sabem, eu não sou mais aquela”, avisa Juliette em versos de Diamante (Rafinha RSQ, Carolzinha, Elana Dara e Juliette), faixa produzida por Rafinha RSQ. A propósito, a maioria das faixas de Ciclone ganhou forma com produção musical do time intitulado Canetaria com adesões como as de Lucas Vaz e Marco Lima. O texto de apresentação do disco alardeia que Ciclone apresenta “combinação criativa de sonoridades em roupagem pop, somada às nuances culturais de Juliette e a referências como R&B, piseiro, trap e afrobeat”. Na teoria, parece interessante. Na prática, tudo soa trivial – até porque falta no repertório uma grande música que faça a diferença mara. Sem falar que o canto meramente correto de Juliette no disco carece de viço e de uma musicalidade pulsante, seja na leve investida no pagode pop em Beija eu (Nairo, Daniel Ferreira e Deluca), música gravada por Juliette com o cantor maranhense Nairo, seja no dueto com João Gomes em Não sou de falar de amor (João Gomes, Gabriel Elias, Billy SP, Igor Gonçalves e Joyce Alane), xote em que o canto de João por vezes soa falado, como se o astro do piseiro fosse rapper do agreste. Não sou de falar de amor ostenta o toque de uma sanfona, não tão abafado quanto o triângulo inserido em Sai da frente (Carol Biazin, Lucas Vaz, Nave, Paiva, Pump Killa e Nairo), música que, ao ser lançada em 25 de maio, como primeiro single do álbum Ciclone, já sinalizou que Juliette estava se adequando ao padrão da indústria que fabrica o pop brasileiro para as massas. A má impressão de Sai da frente foi corroborada pelo segundo single, Tengo (Carolzinha, Elana Dara, Juliette e Rafinha RSQ), e é inteiramente confirmada no álbum pela batida industrializada de músicas como Ninguém (Joyce Alane, Nairo, Jenni Mosello, Lucas Vaz e Juliette), cuja letra inclui os versos “Sabe, eu ainda tenho muita estrada / E não contei nem metade da história / Mas eu não preciso provar nada / Ninguém vai me parar, não vai me parar, não vai”. A rigor, Juliette ainda está no início da história e da estrada na música, com todo tempo para, se quiser, seguir mais adiante por outros caminhos com a liberdade de ser e cantar o que quiser.FONTE: G1 Globo