Lagoinha: Moradores e Ministério Público querem salvar bairro da degradação

12 jul 2023
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Reduto boêmio de Belo Horizonte, o bairro Lagoinha, na Região Noroeste da capital, vive entre a tradição e o estigma da violência. Bem ao lado do Centro, a região sofre com degradação, insegurança e pontos de consumo de drogas. Há décadas, os moradores reclamam dos problemas locais, que culminaram na reputação da região como um lugar "sujo e perigoso". Por outro lado, pessoas em situação de rua, alvos de preconceito pela ocupação dos espaços públicos, cobram assistência das autoridades.

Nesta quarta-feira (12/7), moradores, população de rua, e representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Prefeitura de Belo Horizonte e das forças de segurança da capital se reuniram em uma audiência pública para debater e pensar soluções conjuntas para os problemas sociais e de segurança enfrentados no bairro.

Tachada como a cracolândia de Belo Horizonte, a Lagoinha foi esquecida pelo poder público, e se tornou o bairro da ilegalidade e falta de segurança, nas palavras da presidente do Movimento Lagoinha Viva, Teresa Vergueiro, moradora do bairro há mais de 13 anos. As reivindicações dos moradores passam por problemas como sujeira das calçadas no uso do espaço para triagem de materiais recicláveis, aumento da criminalidade pelo grande número de usuários de drogas — especialmente de crack — na região, receptação e vendas de produtos roubados, degradação do patrimônio histórico, e habitação para as pessoas em situação de rua.
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"A Lagoinha sofre há décadas com os mesmos problemas. Nós somos invisíveis, assim como os nossos moradores em situação de rua. Estamos com as nossas calçadas imundas, a ilegalidade reina na Lagoinha”, disse. Nos últimos anos, o movimento já protocolou 13 processos contra a PBH na tentativa de promover a preservação e requalificação da Lagoinha. 
Na avaliação de Vilmar Souza, também integrante do Movimento Lagoinha Viva, os problemas sociais na região são uma consequência da violação de um direito básico assegurado pela Constituição Federal de 1988: a moradia. "A falta de casa provoca um tanto de outros problemas, como esses que a gente aqui relata. Se a gente não considerar que o direito das pessoas que vivem na rua está sendo violado, mais uma vez vamos estar aqui falando só das consequências", declara. Souza ressalta que o objetivo do debate não é trazer uma higienização do bairro com a retirada das pessoas em situação de rua, mas garantir o respeito à dignidade dessas pessoas.

Morador de rua há 32 anos, Tarcísio Moraes se emociona ao falar da situação e defende que a solução é complexa. "Nós somos empurrados de um lado para outro, e o problema da gente mesmo nunca é resolvido. Às vezes nem água para beber nós temos. Não somos os culpados dessa situação toda", aponta.

A assistente social Claudenice Rodrigues Lopes, coordenadora da Pastoral de Rua de BH, reforça que a Lagoinha é parte de uma realidade urbana vivenciada e agravada nos últimos anos em várias cidades do país. Em oito anos, a população em situação de rua de Belo Horizonte cresceu 192%, conforme dados do Censo Pop Rua, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com a prefeitura de BH. Para ela, a solução envolve uma atuação conjunta para garantir condições melhores àqueles que moram e trabalham na região, mas também às pessoas em situação de rua.

"Temos um conflito de situações aqui. A gente sabe, por exemplo, de casos de comerciantes que têm seu direito violado e acabam reagindo de forma violenta e agressiva com pessoas que são supostamente os culpados, e, muitas vezes, até de forma injusta, porque aquelas pessoas, na verdade, não são os culpados. A gente precisa juntar forças para superar isso", disse.

Segurança 

Cenas corriqueiras do consumo de crack nas ruas e calçadas do Lagoinha não deixam dúvidas de que a região se tornou ponto de concentração de dependentes químicos, realidade que gera insegurança em moradores e pedestres. O ar de abandono do bairro torna a região hostil para quem passa a pé, como relata Ronald Antônio Borges, morador do bairro há quase sete décadas. "Esse bairro você podia andar à noite e não tinha nada. Hoje, o pessoal tem medo mesmo durante o dia. Tem morador que trabalha no Centro e tem que pegar ônibus pra ir na Afonso Pena, quando antes esse trajeto podia ser feito à pé", afirma Borges.
Para ele, o poder público precisa, além de acompanhar, entender também o perfil da população de rua, e atuar mais incisivamente no combate ao tráfico de drogas na região.  "Por que todos eles vêm para o nosso bairro? Essas pessoas são todas daqui? Se é droga, tem que ser feito algo para dar assistência. Essa é a questão. Não é a gente brigar. Temos que entender por que dessa concentração de pessoas aqui", sugere.

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Para tentar trazer mais segurança, os moradores do bairro têm uma rede de contato direto com a Polícia Militar (PM). "Temos grupos nas redes sociais com a polícia. É uma forma de prevenir", conta Borges.

Referência em reciclagem e ferro velho, a Lagoinha também virou um polo comercial de compra e venda de matérias-primas, conhecido especialmente por atividades ilegais de receptação e venda de produtos roubados, com destaque para os fios de cobre. Além disso, a triagem de materiais no meio da rua e fora de hora pelas "sucatarias" e a queima de lixo e resíduos são outros pontos de queixas dos moradores. 

Maria José Alves dos Santos trabalha com reciclagem na região e diz que a má fama é injusta. Ela protesta pelo reconhecimento da importância da reciclagem, tanto para a economia da Lagoinha quanto para o próprio município. "Estão sujas as ruas, estão. Mas nós que trabalhamos com reciclagem não somos culpados disso. Estamos aqui com dignidade e trabalhando", reclama.

Maria José também ressalta o papel da atividade para garantir uma renda, ainda que pequena, às pessoas em situação de rua. "As pessoas que falam muito mal da reciclagem precisam estender a mão para ver o que podemos ajudar também. Muitos desses moradores de rua ninguém sabe o nome. Todos ou quase todos que frequentam a minha reciclagem, eu sei. Trato eles pelo nome. Lá tem banheiro para eles, para tomar banho. Todos nós precisamos ser tratados como seres humanos", pontua.

Questionada pela reportagem, a Prefeitura de BH afirma ter ampliado os serviços de atendimento e proteção à população em situação de rua em todo município, com reforço na região da Lagoinha. Em 2020, em resposta aos agravos da pandemia de COVID-19, foi instalado em caráter emergencial e provisório o Centro Pop Lagoinha, equipamento incorporado, posteriormente, de forma permanente à rede de atenção à população de rua.

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O Executivo municipal também destaca as ações dos consultórios de rua e equipamentos de atenção psicossocial, como Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) e Centros de Referência em Saúde Mental Álcool e outras Drogas (CERSAM-AD), para cuidado integral da saúde das pessoas em situação de rua no município. Quanto à limpeza urbana, a PBH reconhece pontos críticos de deposição clandestina de resíduos na Rua Itapecerica. A via, segundo o executivo, é varrida quatro vezes por semana. "A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) solicita a colaboração de todos para a manutenção da limpeza no local", disse, por meio de nota.

Memória

 
Um dos mais antigos bairros da capital, com 124 anos, o nome Lagoinha veio das pequenas lagoas que existiam na região, ao redor da praça Vaz de Melo, e acabou servindo de homenagem ao principal comerciante do local na época, Guilherme Vaz de Melo. Em consonância com essa herança boêmia, a Lagoinha é considerada um dos berços do samba em Belo Horizonte.

O bairro ainda é reduto da religiosidade, da cultura e do lazer. Em 1914 foi erguido o Santuário de Nossa Senhora dos Pobres. Já em 1948, foi criado o mercado popular. A Praça de Peixe é uma referência na capital por causa das tradicionais peixarias.


FONTE: Estado de Minas

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