Lagoinha: um parque e visões dissonantes

24 out 2023
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O projeto para a construção do Parque de Integração na Lagoinha, no bairro homônimo na Região Nordeste de Belo Horizonte, tem causado controvérsias por parte dos moradores do local. Ainda sem previsão de início das obras de intervenção espacial, especialistas têm visões distintas com relação ao que está sendo proposto pelo Executivo municipal.
Lançado em julho de 2022, o edital publicado pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura previa a elaboração de estudos e a confecção de projeto que contemplava, além do parque, a construção de uma pista de skate e também uma passarela e uma passagem subterrânea para pedestres, com a intenção de integrar as regiões do entorno.
De acordo com o Plano de Qualificação Urbanística Centro-Lagoinha, “o projeto busca melhorar as condições de circulação de pedestres; implantar equipamentos relacionados à prática de esportes, lazer e contemplação; melhorar a iluminação, arborização, ajardinamento e o paisagismo”.
Mais de um ano depois, os projetos ainda não estão concluídos. A previsão divulgada pela PBH é para que as licitações das obras tenham início no primeiro semestre de 2024. 
A administração municipal ainda ressaltou que estão em fase de elaboração os projetos executivos para a requalificação das praças do Peixe, Vaz de Melo e parte da Praça Leste, bem como a elaboração de anteprojeto da passarela.

PEDIDO POR INCLUSÃO
Já a passagem subterrânea para pedestres, a requalificação das praças Central e da Arte e alterações viárias do entorno ainda precisam ter seus projetos executivos licitados.
Contudo, na visão de Teresa Vergueiro, presidente do Movimento Lagoinha Viva, o projeto proposto pela prefeitura se mostra insuficiente para a quantidade de demandas que o bairro possui.
“Bom, quando a Prefeitura de Belo Horizonte veio com a ideia do Parque da Lagoinha não foi bem recebido pelos moradores. Porque a Lagoinha tem inúmeras necessidades que são extremamente antigas e também são muito mais necessárias do que o parque”, disse.

Teresa ainda argumentou que, após a construção do parque, os moradores de rua farão uso do espaço para moradia e irão inviabilizar o uso do local por parte dos habitantes do bairro.
“Então, o Parque da Lagoinha vem criar uma situação que pode até ser um pouco interessante para os moradores em situação de rua. Porque a prefeitura não tem hoje um projeto para tirar as pessoas da rua. Então, eles vão ter um parque para morar. E nós, moradores, não vamos poder usufruir”, acrescentou.
Luciana Bragança, professora da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisou o problema e evidenciou discussões um pouco mais complexas. Conforme dados apresentados no último Censo, imóveis vazios equivalem a 20 vezes mais a população de rua em BH.
Nesse sentido, a especialista explicou que as dinâmicas de ocupação de um local não habitado tendem a ser um pouco diferentes do que se pode imaginar à primeira vista.
“Os lugares que têm uso são menos propícios para que as pessoas morem. Se você tem uso, uma ocupação que é constante, as pessoas podem até morar ali, mas elas vão ficar um pouco incomodadas”, afirmou.
Diante desse cenário, no entendimento de Luciana, a construção de um parque pode ser interpretada como um espaço de mediação entre problemas complexos e pessoas em situação diversas e desiguais.
“Acho que a ideia de um parque traz para o espaço um uso que vai fazer com que convivam melhor as pessoas em situação de rua com a população em geral. Acho que a ideia de um parque público, de um jardim, ele media algumas situações”, completou.
A professora ainda trouxe o exemplo da iniciativa denominada “Hortelões da Lagoinha”, que inclui pessoas da região, inclusive aquelas em situação de rua, na manutenção e construção de jardins, recuperando espaços urbanos e transformando em locais produtivos. 
Vilmar Sousa, que representa o Movimento Viva Lagoinha, sinalizou que o contexto dessas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, por exemplo, debaixo dos viadutos, não está sendo considerado pelo projeto proposto pela prefeitura.
“A proposta que eles [prefeitura] estão pleiteando é uma proposta de intervenção espacial sem nenhum cuidado com mais de 200 pessoas que moram debaixo do viaduto. O desenho proposto, no nosso entendimento, vai favorecer a fixação das pessoas na rua, quando essas pessoas precisam ter casa, abrigo e outras formas de morar”, ressaltou.
A PBH argumenta que tem promovido ações e instalado locais para o atendimento e acolhimento dessa população. Segundo o Executivo municipal, uma unidade do Centro Integrado de Atendimento à Mulher está instalada na Lagoinha. O local objetiva atender mulheres em situação de vulnerabilidade social.

O bairro abriga também uma unidade do Centro de Referência da População de Rua (Centro Pop), que oferece orientações, encaminhamentos para outros serviços públicos e oferece banheiros (banho e sanitário) e lavagem de roupas para as pessoas em situação de rua.
Na visão do coordenador do Movimento Nacional da População, Samuel Rodrigues, em geral, as grandes intervenções em espaços públicos da cidade não incluem todas as pessoas afetadas, como as que vivem em situação de vulnerabilidade. Para ele, a inserção dessas pessoas é fundamental para a construção de alternativas para essa população.
“Se a gente não inserir essa população de rua e suas representações nos fóruns, os movimentos e a própria população nesse debate, a gente fica muito temeroso com esses processos ditos revitalizadores”, completou.

Agito cultural para revitalizar

Um outro aspecto que pode favorecer ações de revitalização na região da Lagoinha são as novas possibilidades e o surgimento de uma cena cultural no local. A aparição de bares e restaurantes instalados no bairro tem fortalecido esse agito cultural.
Rafael Quick, um dos sócios da Cervejaria Viela, ressaltou a importância histórica e cultural do bairro na história de Belo Horizonte e contou à reportagem que é um dos possíveis lugares que podem ser contemplados com uma expansão do empreendimento que ele administra.
“A Lagoinha é um lugar inclusivo, com uma riqueza muito grande, que conta a história da cidade, do samba, da boemia. É um lugar que a gente vê com bons olhos”, comentou.
Nessa linha de novos espaços culturais na Lagoinha, a região terá uma estreia no início do próximo mês, com a casa de shows e espaço cultural Aquilombar. De acordo com a sócia desse empreendimento, Fatini Forbeck, a casa de shows chega para agregar a esse movimento de revitalização e também de valorização dos aspectos culturais produzidos na Lagoinha.
“A gente vem para fortalecer esse movimento, evidenciar a cultura, fortalecer essa narrativa de revitalização. E também por que a gente acredita que o Lagoinha é o melhor bairro de Belo Horizonte. As mazelas estão aí, mas a Lagoinha não é só isso, muito pelo contrário, a Lagoinha é samba, alegria, tradição e história [da cidade], também”, destacou.
Fatine também falou sobre um fato significativo e especial a respeito da estreia do Aquilombar, localizado na Rua Itapecerica, 865, Lagoinha. A sócia ainda faz um convite a toda a população de Belo Horizonte para estar presente na abertura do espaço, no dia 2 de novembro.
“A gente vai abrir a casa no dia 2 [de novembro] e estava até comentando aqui que vamos abrir a casa no dia dos mortos para celebrar a vida. Celebrar a vida da diversidade, a vida da Lagoinha, mesmo. E a nossa proposta é ter Belo Horizonte como protagonista, especialmente, nesse campo cultural. E a gente está fazendo um convite para a cidade conhecer o nosso espaço”, finalizou. 
*Estagiário sob supervisão do subeditor Gabriel Felice

FONTE: Estado de Minas

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