Mortes voltam a crescer no trânsito brasileiro, diz Ministério da Saúde
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As mortes nas vias e estradas brasileiras, que vinham caindo desde 2014, de acordo com os últimos dados consolidados pelo Ministério da Saúde, voltou a crescer em 2021 e 2022, com número comparativos aos dos países em guerra. Aumentaram também os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com as despesas médicas e hospitalares geradas pelas ocorrências nos deslocamentos. A situação é preocupante, mas existem medidas que podem ser adotadas para frear os óbitos no trânsito, apontam especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. Em 2021, foram registrados 33.815 mortes no trânsito no país, mais do que em 2020 (32.716) e 2019 (32.667). Os dados de 2022 ainda estão sendo levantados, mas indicam tendência de aumento. Para efeito de comparação da gravidade dos números, nos 500 primeiros dias da guerra entre Rússia e Ucrânia, morreram cerca de 9 mil civis.
Levantamento exclusivo realizado pelo EM, a partir do processamento de dados dos acidentes georreferenciados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) nos últimos três anos, apontou os 10 pontos rodoviários mais letais do país, dos quais três estão em Minas Gerais, destacando curvas e trevos perigosos e outras armadilhas. Falta de investimentos e imprudência dos motoristas, principalmente o excesso de velocidade, são as principais causas da carnificina nas estradas.
As tragédias no trânsito são vistas pelo Ministério da Saúde como “problema de saúde pública”. “As lesões de trânsito são um importante problema de saúde pública e geram sobrecarga das emergências e dos recursos humanos e materiais disponíveis, além do grande impacto na rede de saúde”, reconhece o ministério. “Foi observado aumento dos óbitos de 2020 para 2021, muito preocupante, além do custo financeiro para o SUS, que saltou de R$ 287 milhões em 2020 para R$ 345 milhões em 2022, aumento de 20% no período”, indica a pasta.
O médico de tráfego José Montal, diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), afirma que existem medidas que podem adotadas para eliminar a mortandade nas estradas. Ele sugere que o Brasil deveria seguir o modelo da Suécia, que, desde 1997, adotou o Programa Visão Zero, cuja premissa é que nenhuma morte prematura no trânsito é aceitável. Com isso, o país europeu reduziu drasticamente as perdas anuais para cerca de duas a três mortes no trânsito para cada 100 mil habitantes. O especialista afirma que assim como fez a Suécia, o Brasil deveria implantar um programa de responsabilidade coletiva em que todos os envolvidos no sistema viário e de mobilidade “devem estar preparados para evitar que mortes e lesão no trânsito aconteçam”.
“Desde o fabricante dos automóveis ou quem construiu a via, a autoridade de trânsito e o pessoal do serviço de saúde que socorre as vítimas dos sinistros, todos devem ser responsabilizados. Não devemos apenas apontar um culpado para os acidentes, mas para buscar soluções a fim de que não ocorram mais acidentes, a exemplo do que se faz na aviação”, considera o médico. “Um aspecto considerado para o controle dos sinistros de trânsito é que as pessoas escolhidas democraticamente para comandar o país, estado ou municípios, devem estar envolvidas na conscientização da população em relação à questão. Mas, no Brasil, estamos distante disso. Tivemos um governo que batalhou para a extinção dos radares, ao invés de maldizer (combater) a (alta) velocidade, que é grande vilã do trânsito, sendo a grande responsável pelos acidentes e pela própria gravidade deles”, afirma Montal também.
“Sinistro de trânsito” em vez de “acidente”
O médico de tráfego José Montal, diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), considera que as ocorrências com morte nas estradas não deveriam ser chamadas de acidentes, mas sim de “sinistro de trânsito”, o que também considera como uma doença. “O nome que mais usamos para definir essas mortes indesejadas no transito é acidente. O próprio termo – acidente - já diz que nos consentimos que essas mortes aconteçam. Mas é algo que precisa ser analisado”, avalia. “O termo “acidente” dá uma conotação de algo que não tem causas, uma coisa decorrente da falta de sorte, do azar ou da “providência divina. Isso explica o “porquê” a gente não olha para essa doença com a seriedade que deveria ser encarada”, observa o diretor da Abramet.
“Muita gente acha que o termo acidente pode ter sido uma criação do marketing das montadoras ainda no nicho da produção de veículos em massa, no século 20. Por isso, hoje, inclusive a comunidade da segurança viária prefere o termo 'sinistro de trânsito', conforme foi definido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), pontua. Ele salienta que o “sinistro de trânsito” é visto como doença pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “doença”. “De fato, essa doença, o sinistro de trânsito, segundo a ONU e a OMS, é vista como a primeira causa de mortes em grupos etários como crianças e de adultos muito jovens, como se fosse uma doença negligenciada”, observa.
Montal lembra que, desde 2004, a OMS definiu o “sinistro de trânsito” como “uma doença verdadeira, uma questão de saúde pública a ser enfrentada. “Naquele ano, a OMS também fez uma afirmação peremptória de que cada país teria um número de mortes no trânsito que estivesse disposto a tolerar. Mas, inexplicavelmente, a gente aceitando os acidentes de trânsito. A sociedade brasileira ainda não se conscientizou da gravidade da questão”, critica. Ele lembra que o Brasil ainda tem uma média anual superior a 20 pessoas mortas por cada 100 mil habitantes. “Alguns países da Ásia e da Europa matam no trânsito até 10 vezes menos do que isso”, compara.
“O ser humano, por natureza, é frágil em relação às energias liberadas em veículos de grande massa em velocidade”, comenta Montal. Nesse sentido, ele salienta que nos últimos anos, a engenharia automobilística conseguiu grande avanço na absorção de impactos por alguns veículos, o que representa uma “grande vitória” na preservação da vida dos motoristas e passageiros. “Outra grande conquista foi o próprio cinto de segurança de três pontos, uma invenção da década de 1960”, acrescenta.
Especialista propõe abordagem abrangente
“Para reduzir ou interromper o ciclo de acidentes fatais nas rodovias brasileiras é essencial adotar uma abordagem abrangente e integrada”, recomenda o professor e pesquisador Narciso Ferreira dos Santos Neto, doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e docente da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). “Devem ser adotados investimentos em infraestrutura, manutenção e sinalização adequadas. E campanhas educativas eficazes para conscientização dos condutores sobre comportamentos seguros e respeito às leis de trânsito são fundamentais. Além disso, é necessário aprimoramento da fiscalização e aplicação rigorosa das penalidades previstas em lei para coibir práticas perigosas no trânsito, como excesso de velocidade, embriaguez ao volante e uso de celular enquanto dirige, aponta Santos Neto.
“A promoção do uso de tecnologias avançadas de assistência à condução e a busca pela implantação de medidas de segurança veicular também contribuem para a mitigação dos acidentes”, diz o especialista. “A colaboração entre governos, órgãos reguladores, empresas, instituições e a sociedade como um todo é fundamental para promover uma cultura de segurança viária e salvar vidas nas estradas brasileiras”, completa.
Para o professor e doutor em Engenharia de Transportes Narciso Ferreira dos Santos Neto, a falta de investimentos na manutenção e de adequação das vias é uma das principais causas de acidentes na malha rodoviária. “A elevada taxa de mortalidade nas estradas pode ser atribuída a uma série de fatores técnicos e infraestruturais. Em primeiro lugar, a falta de investimento adequado em manutenção e expansão das vias resulta em estradas precárias, com buracos, sinalização inadequada e ausência de dispositivos de segurança”, diz Narciso.
Ele cita ainda a imprudência dos condutores, incluindo excesso de velocidade, falta de uso de cintos de segurança e o consumo de álcool”. Além disso, “a falta de fiscalização eficiente e punição adequada para infrações de trânsito também contribui para o cenário preocupante”. “Para mitigar essa situação, é fundamental implementar políticas mais rígidas de segurança viária, aumentar a conscientização sobre direção segura e investir em melhorias na infraestrutura rodoviária”, recomenda o especialista.
FONTE: Estado de Minas