Na Chechênia, Síria e Ucrânia, a impunidade das tropas russas deixa marcas

18 abr 2023
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Desde o início da guerra na Ucrânia, os vídeos das atrocidades atribuídas aos soldados russos provocam pânico, recordando inclusive as ações dos grupos jihadistas, mas os defensores dos direitos humanos apontam especialmente para a impunidade que prevalece há décadas nas forças de Moscou.

O vídeo divulgado há alguns dias da decapitação de um suposto prisioneiro de guerra ucraniano por um homem que fala russo provocou indignação internacional, com reações que que citam os métodos até agora associados ao grupo Estado Islâmico (EI), que gravava os assassinatos de seus reféns.

"Se a autenticidade deste ato bárbaro for confirmada, os soldados russos estariam do lado do Estado Islâmico", tuitou o presidente da República Tcheca, Petr Pavel.

O chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, opinou que a Rússia é "pior" que o grupo extremista.

Apesar de Moscou geralmente negar as acusações contra suas tropas na Ucrânia por crimes de guerra, o Ministério Público anunciou que está examinando o vídeo.

Este não foi o primeiro vídeo aterrorizante da guerra. Desde o início do conflito circulam imagens nas redes sociais que mostram uma castração, um prisioneiro abatido ou corpos de soldados mutilados.

Não foi possível verificar a autenticidade de todos os vídeos, nem os algozes foram identificados, mas os ucranianos não têm dúvidas: as atrocidades são obras dos "monstros" russos, nas palavras do presidente Volodimir Zelensky.

- Chechênia, Síria, Ucrânia -

"Não sabemos quando ou onde o vídeo (da decapitação) foi filmado. É impossível determinar no momento quem são os autores, mas há um contexto", declarou à AFP Alexander Cherkasov, diretor do centro de direitos humanos da ONG russa Memorial, banida em seu país.

"Houve precedentes, particularmente na Chechênia, onde dezenas de corpos decapitados foram encontrados, entre os milhares de desaparecimentos forçados de chechenos durante a segunda guerra (1999-2000)", disse.

"Também há o vídeo sírio", acrescentou, em referência à tortura e assassinato de um desertor do exército sírio filmado em 2017, que levou à primeira denúncia contra o grupo paramilitar russo Wagner em 2021.

A denúncia foi rejeitada na Rússia e está atualmente no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).

"Há um mecanismo de impunidade que funciona desde a primeira guerra da Chechênia (1994-1996)", considera Cherkasov. "Os autores russos, sejam do exército, dos serviços especiais ou do grupo Wagner, ficam impunes e têm certeza desta impunidade".

Um relatório recente da Memorial revelou que os conflitos checheno, sírio e ucraniano "às vezes envolveram os mesmos atores, as mesmas unidades e formações militares" e descreve "uma cadeia de guerras, uma cadeia de crimes, uma cadeia de impunidade".

- "Luz verde" -

Para o advogado Mazen Darwish, fundador do Centro Sírio para a Mídia e Liberdade de Expressão, "como não houve reação da comunidade internacional com o que acontecia na Síria, hoje temos esta situação na Ucrânia".

A ONG do advogado estava no grupo de associações que apresentou a denúncia contra o grupo Wagner. "Ao rejeitá-la, a justiça deu luz verde aos que sabiam que nunca seriam perseguidos", disse à AFP Darwish, que assistiu ao vídeo "horrível" da Ucrânia.

Anna Colin Lebedev, especialista em sociedades pós-soviéticas, adverte contra qualquer "explicação culturalista ou essencialista" e faz uma distinção entre o grupo Wagner, acusado de estar por trás da maioria dos vídeos de atrocidades, e o exército russo.

"Há toda uma série de coisas que possibilitam estas violências", considera, citando certas "práticas consideradas aceitáveis, como a não distinção entre civis e combatentes", assim como problemas hierárquicos no exército russo, falta de objetivos de guerra claros e o perfil social dos combatentes, muitas vezes de origem pobre e com poucos anos de estudo.

Tudo isto sem contar as dezenas de milhares de prisioneiros russos que foram recrutados pelo grupo Wagner para lutar na Ucrânia.

Eles são criminosos, mas também indivíduos "psicologicamente quebrados", que desenvolveram uma alta tolerância à violência depois que passaram anos em prisões russas, onde a tortura, estupro e isolamento são comuns, lembrou recentemente a jurista russa Yana Gelmel, em uma conferência da ONG Memorial em Paris.


FONTE: Estado de Minas


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