No calor de BH, moradores em situação de rua sofrem até na busca por água

25 set 2023
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Ao meio-dia desta segunda-feira (25/9), os termômetros marcavam 36ºC no Centro de Belo Horizonte. Debaixo do sol de rachar, Maria de Fátima Silva, de 67 anos, carregava uma única garrafa d’água para matar a sede em meio à onda de calor extremo.

Ela e as quase 6 mil pessoas que vivem nas ruas de BH, segundo Censo Pop Rua 2022, são as mais vulneráveis ao calorão, que bateu novo recorde ontem, chegando a 38,6ºC, maior temperatura já registrada em Belo Horizonte desde 1961, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Sem acesso a um item básico, como o acesso à água, fica difícil manter a hidratação recomendada por especialistas neste período. 

Em dias assim, Maria de Fátima relata dificuldade para beber água. Exposta ao sol quente, sua única opção para se hidratar é uma garrafa pet de dois litros, já pela metade, que não oferece muito refresco. “Está quente. Se quiser água gelada, tem que pagar”, diz, com tristeza. Ela tem mobilidade reduzida e usa cadeira de rodas.

Há oito meses, Maria de Fátima montou uma barraca na Avenida dos Andradas, esquina com a Rua dos Caetés, no Centro, aproveitando a sombra de uma árvore no local na tentativa de fugir do sol forte. Ela conta com a ajuda do amigo Wesley Faria para enfrentar as dificuldades da vida na rua. “Não tem como amenizar esse calor. O sol está castigando”, diz Wesley. A falta de solidariedade de comerciantes e moradores, segundo ele, agrava ainda mais a agonia das pessoas em situação de rua. “Ninguém dá água, nem da torneira. É desumano. Eu peço: não é nem pra mim, é pra ela”, fala apontando para dona Maria.

 
Marcelo Gomes da Cruz vive, há 13 anos, com a esposa, nas imediações da Praça Rio Branco, localizada em frente à rodoviária de Belo Horizonte, onde outras pessoas na mesma situação se aglomeram em barracas e camas improvisadas. Ele diz que nunca passou por um período tão quente e reclama da desativação de um antigo bebedouro público instalado na praça.
“Tinha água aqui e cortaram, não sei porque. É covardia. Prometeram ajudar e nada”, conta ao Estado de Minas. “No frio, associações mobilizam doações de roupas, cobertores e sopões e cobertores. No calorão, a gente fica esquecido”, reclama um morador em situação de rua que preferiu não se identificar. Ele veio do Rio de Janeiro para BH há um mês e considera a vida nas ruas da capital mineira mais difícil. “Aqui é pura sobrevivência”, descreve. 

Sem sombra, nem água fresca

Em Belo Horizonte, segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), são quase 9 mil pessoas em situação de rua. Mas o dado varia de acordo com o recorte empregado. Para a prefeitura, considerando cadastros realizados ou atualizados nos últimos 24 meses, são cerca de 5,8 mil moradores.
Certo é que o número explodiu nos últimos dez anos, quando a capital possuía pouco mais de 2 mil pessoas nessa situação, segundo o Ministério da Cidadania. A população de rua se vira como pode: busca a sombra de árvores, tenta se refrescar em fontes e no acesso de ventilação de lojas e galerias.
A capital mineira tem 46 bebedouros públicos espalhados pela cidade, conforme levantamento feito pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), texto de autoria do vereador Wagner Ferreira (PDT). Destes, 17 estão inativos e não tem previsão para retomar funcionamento. O documento aponta, ainda, uma concentração de bebedouros públicos nas regionais Centro-Sul (12), Barreiro (12) e Pampulha (13). Venda Nova, ponto considerado  uma 'ilha de calor' em BH, tem apenas um bebedouro público para a população de rua. A regional registrou máxima 6ºC acima da média da capital, conforme flagrado pelo Estado de Minas, com equipamento de medição, na última quinta-feira (21/9).

A região Noroeste, outro ponto de temperaturas elevadas, não tem nenhum equipamento de acesso à água. Diante da onda de calor vista em Belo Horizonte nos últimos dias, parlamentares enviaram um ofício à PBH para cobrar a instalação de equipamentos ou distribuição de copos de água em parceria com a companhia de saneamento.

Muito antes da onda de calor, a falta de água para beber e de banheiros já era uma demanda histórica da população em situação de rua. “Agora ficou pior. Antigamente ainda tinha a fonte na Praça da Estação – nem isso tem mais. A distribuição de água está cada vez mais escassa”, afirma Alexandre Lima, defensor popular e membro do grupo gestor da rede Novo Olhar Rua, que congrega cerca de 100 coletivos de rua.

Só na promessa

No ano passado, a Prefeitura de BH se comprometeu a criar pontos de acesso à água em praças de BH e a reativar banheiros públicos espalhados pela região central da cidade, onde se concentra a maior parte da população de rua. O acordo, firmado no Centro Judiciário de Soluções de Conflito e Cidadania, ficou só no papel.

As entidades de apoio à população de rua lutam pela garantia de direitos básicos, como banheiro público, acesso à água e ampliação da temática da moradia e da geração de renda. “Isso é muito importante, inclusive, para que essa realidade mude um pouco. Precisamos de uma mobilização coletiva, mudar o olhar da população civil em relação a população de rua”, avalia Alexandre Lima, do Novo Olhar Rua.

Em junho, BH abriu consulta pública para interessados em instalar e operar banheiros públicos em Belo Horizonte. A iniciativa abrange 18 sanitários. Em troca, os concessionários poderão explorar 80 engenhos de publicidade na capital mineira e explorar comercialmente nove quiosques.

Em reportagem publicada no ano passado pelo Estado de Minas, a prefeitura da capital informou que os sete banheiros públicos que ela administra “estão passando por uma revitalização”. A gestão municipal cita, ainda, que uma parceria público-privada (PPP) para a instalação de 75 sanitários em locais mais movimentados da cidade estava sendo elaborada.

As pessoas em situação de rua dependem da boa vontade e solidariedade da sociedade civil, e de instituições de apoio social. Nesta terça-feira (26/9), o projeto Comida Que Abraça realiza uma campanha, emergencial, com distribuição de água na Praça da Estação, a partir das 15h. Desde o início da onda de calor que atinge a capital mineira, o projeto conseguiu arrecadar fundos para a compra de 500 garrafinhas. A meta, segundo a organização, é garantir no mínimo 2 mil garrafas de água.

O que diz a PBH

Para garantir a hidratação da população em situação de rua, há atualmente 85 bebedouros públicos nos parques municipais e Centros de Vigilância Agroecológica (Cevae). Considerando somente os parques da regional Centro-Sul – onde se concentra o maior número de pessoas em situação de rua – estão instalados 34 bebedouros públicos.
Os moradores em situação de rua ainda podem procurar as unidades da Assistência Social: os quatro Centros Pop da cidade e abrigos e casas de passagem para tomar banho. Nos locais eles ainda têm acesso a sanitários, lavagem de roupas, lanche e água para beber.  
A PBH ressalta ainda que os Centros de Saúde e as UPAs estão com estoques abastecidos de medicamentos e insumos para casos de desidratação associadas ao tempo seco.

FONTE: Estado de Minas

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