Os ‘dragões’ que extraem ouro do Eldorado colombiano
Como porta-aviões encalhados no cascalho, seus restos enegrecidos pelas chamas jazem por todos os lados ao longo dos rios. No noroeste da Colômbia, o governo trava uma batalha contra as dragas usadas para a extração ilegal do ouro.
Os garimpeiros usam esses monstros de ferro, conhecidos como "dragões", para desviar rios e escavar seus leitos, destruindo o meio ambiente e, segundo as autoridades, financiando o crime organizado.
A campanha militar para destruí-lo com explosivos desperta forte hostilidade nas comunidades do município de El Bagre (noroeste), no coração de Bajo Cauca, uma região historicamente rica em ouro, onde inúmeros garimpeiros vivem da exploração informal.
Desde o início de março, eles protestam com bloqueios de estradas e atos de vandalismo. Segundo o governo, por trás da chamada "Paralisação Mineira" está a maior quadrilha de traficantes do país, o Clã do Golfo.
"Não temos nada a ver com esses grupos", afirma o líder sindical Luis Campo, vestido com uma camisa florida entreaberta que deixa à mostra um crucifixo dourado, ao mesmo tempo em que frisa: "(somos) mineradores da região".
- "Nada mais a ser feito" -
Aos 32 anos, Luis representa 20 garimpeiros que "passam muitas necessidades", devido à incineração de sua draga em uma operação do Exército.
"Não queremos continuar sendo perseguidos pelo governo. Queremos chegar a um processo de legalização onde possamos trabalhar livremente, sem medo", afirma.
Zaragoza, Cáceres... Os nomes das cidades nos lembram que os espanhóis já extraíam ouro no século XVII nos rios de Bajo Cauca, incluindo o Nechí, que desce dos Andes em direção à costa do Caribe.
Antigo reduto de paramilitares de extrema direita na década de 1990, a região é, hoje, feudo de seus herdeiros do Clã do Golfo, o cartel mais poderoso do país, com o qual o presidente Gustavo Petro acaba de romper uma trégua. O presidente de esquerda acusa o Clã de enriquecer com a mineração ilegal.
Com a alta dos preços e do dólar, o Bajo Cauca vive uma nova corrida do ouro: homens pobres com suas tradicionais bateias, potentes escavadeiras amarelas e imponentes dragas dividem os rios. O sindicato afirma ser "vítima" de extorsão pelo Clã, e não cúmplice da organização, como alega o governo.
"Aqui não tem mais nada a ser feito, a não ser garimpo", admite Campo. Em El Bagre não há "cultivos" nem "pecuária", acrescenta, com amargura.
Nas últimas duas décadas, a mineração ilegal desmatou cerca de 70.000 hectares somente no departamento de Antioquia, onde fica Bajo Cauca, segundo o governo.
Questionado sobre esse impacto ambiental, Campo diz que ali "o estrago já foi feito" pelas explorações autorizadas pelo governo décadas atrás.
De acordo com a autoridade local, a depredação da floresta passou de 10 mil hectares perdidos em 2021 para 15 mil em 2022.
Alex Cossio, capitão de outra draga, afirma ter um plano ambiental para mitigar os danos.
"Não começamos a plantar (árvores) nem nada, porque temos dificuldades, devido à paralisação", justifica.
- "Brasileiras" -
Há quase 350 máquinas de dragagem de todos os tipos em Bajo Cauca, segundo fontes locais.
Elas vão desde a simples boia motorizada com esteira improvisada, até as maiores, conhecidas como "brasileiras," ou "dragões". Protagonistas da crise atual, há pelo menos 27 delas.
Uma "brasileira" é "uma embarcação de três andares, 20 metros de comprimento, com grandes motores, que suga o fundo dos leitos dos rios", explica o chefe do Exército na região, general Eduardo Arias, que qualifica o processo de "ecocídio".
Batizadas com o nome de suas homólogas usadas na Amazônia brasileira, sua tecnologia foi importada em 2005 por dois brasileiros, que foram presos.
As autoridades também acusam os garimpeiros de poluírem os rios com o mercúrio que usam para separar o ouro dos sedimentos.
Cossio nega: "Não usamos mercúrio, tiramos tudo com as bateias. Demora entre duas e três horas". Também "não manipulamos dinheiro sujo", nem "mãos sujas" intervêm na operação, acrescenta.
A AFP visitou várias destas máquinas, entre elas novíssima "Nativa", construída no final de 2022 e capitaneada por Cossio.
"Não tem nada a esconder. É um patrimônio familiar", explica Cossio, filho de um aposentado da empresa Mineros.
"Infelizmente, está parada por causa da paralisação. O Estado sobrevoa aqui todos os dias", lamenta este homem de 41 anos.
A montagem de uma "brasileira" custa em torno de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,5 milhões). "Nos preços atuais, é rentável", afirma Cossio.
O dispositivo pode extrair até 2 quilos de ouro por dia, no valor de mais de US$ 50 mil (R$ 253,9 mil), de acordo com uma fonte da polícia.
A AFP contabilizou pelo menos seis "brasileiras" queimadas no rio Nechi.
FONTE: Estado de Minas