‘PEDALADA FISCAL’
MP de Contas identifica rombo de R$ 20,9 bilhões em fundo de servidores da PBH
Promotoria sugere pela reprovação da contas da Prefeitura de Belo Horizonte referentes a 2019, na gestão do ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD)
Por José Augusto AlvesPublicado em 30 de maio de 2022 | 18h42 - Atualizado em 30 de maio de 2022 | 20h59
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O Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais (MPE-MG) concluiu pela reprovação da contas da Prefeitura de Belo Horizonte referentes a 2019, na gestão do ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD). A Promotoria identificou um rombo de mais de R$ 20 bilhões no Fundo Financeiro do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Municipais de Belo Horizonte (RPPS-BH) nas contas daquele ano. O parecer, assinado pelo procurador Glaydson Santo Soprani Massaria, aponta que houve uma "pedalada fiscal" para encobrir o valor.
A quantia configura no balanço do (RPPS-BH), mas não chegou a ser efetivamente paga pela prefeitura. Ou seja: um valor que consta no balanço, mas que não está presente na contabilidade. Esse problema não teve início em 2019, mas já vinha se arrastando ao longo dos anos. Em tese, esse montante (mais de R$ 20 bilhões) seria referente a obrigações de responsabilidade das entidades patrocinadoras do fundo, mas que não foi registrado como passivos referentes à obrigação da cobertura da insuficiência financeira do Fufin.
Segundo o parecer, o RPPS-BH mantém o Fundo Financeiro (Fufin) com o objetivo de fazer frente aos benefícios previdenciários dos servidores municipais que ingressaram até o ano de 2011. Conforme uma auditoria realizada sobre o exercício de 2019 e considerando os valores atuais dos benefícios pagos e dos que serão pagos no futuro, o Fufin teria que ter, em tese, R$ 25,394 bilhões em 2019. Deduzindo deste montante o valor atual das contribuições futuras (R$ 4,4 bilhões) chega-se ao rombo de R$ 20,926 bilhões.
Isso porque o valor da provisão atuarial contida nas demonstrações contábeis consolidadas do município de BH é de R$ 46,919 milhões.
Então, segundo o MP de Contas, o valor da provisão atuarial do Fufin é de R$ 20,972 bilhões que, em tese, seriam obrigações de responsabilidade das entidades patrocinadores do fundo. No entanto, essas entidades não registraram, em suas demonstrações contábeis, esses passivos referentes à obrigação da cobertura da insuficiência financeira do Fufin. "Assim, o déficit previdenciário fica 'maquiado' contabilmente, ocultando um montante de mais de R$ 20 bilhões", afirma o procurador do MP de Contas.
A reportagem entrou em contato com a assessoria do ex-prefeito Alexandre Kalil, que declarou que "falar em R$ 20 bilhões em Fundo de Previdência é uma piada contábil, já que o orçamento da Prefeitura é menor que esse valor". Kalil também criticou o procurador do MP (leia resposta no fim do texto).
A PBH ainda não respondeu.
Leia o parecer do MP de Contas:
Ainda conforme a análise do MP, a subestimação da provisão atuarial que consta nas demonstrações contáveis da PBH configura-se normalmente como pedalada fiscal, uma manobra contável que é feita para mostrar um equilíbrio das contas do Executivo. Essa prática foi a que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
"Tendo em vista que o objetivo das demonstrações contábeis é retratar com a maior fidelidade possível a situação financeira e patrimonial do ente, a subestimação de um passivo de tamanha magnitude compromete completamente a sua credibilidade, seja para fins de tomada de decisões, seja para fins de controle. Essa prática, à primeira vista de baixo potencial lesivo, reveste-se de enorme gravidade, na medida em que oculta rombos bilionários na contabilidade pública de modo a deixar de refletir o desequilíbrio atuarial existente e, consequentemente, ocultar a necessidade de que sejam adotadas medidas de austeridade para mitigá-lo. Como resultado, acentuam-se o desequilíbrio fiscal e seus nefastos efeitos", afirma o procurador do MP de Contas.
Massaria ainda completa que a prática é um "vício insanável" e que só foi descoberta por causa de uma auditoria financeira realizada para subsidiar o parecer sobre as contas do Executivo de 2019. E que, se não fosse feita essa auditoria, a "pedalada fiscal" só seria detectaca após colapso do RPPS da capital mineira. "De fato, a manobra contábil ora apreciada contribuiu para o aumento do desequilíbrio fiscal do Município de Belo Horizonte. Assim, em que pese os registros contábeis possam ser corrigidos daqui para frente, os efeitos da contabilidade criativa nos anos pretéritos não podem ser eliminados", enfatizou.
Por isso, o procurador opina para que as contas da PBH de 2019 sejam rejeitadas. "A contabilidade criativa para encobrir a insuficiência financeira do RPPSBH de mais de R$20 bilhões compromete, integralmente, a confiabilidade da prestação de contas do Chefe do Poder Executivo relativas ao exercício de 2019", afirma o parecer do MP de Contas.
Para o vereador Gabriel Azevedo (sem partido), é preciso entender o motivo da manobra contábil detectada pelo MP de Contas para saber quais os impactos. "Todas as dívidas e obrigações devem ser claras para que o gestor público possa orientar as políticas públicas com responsabilidade orçamentária. Se um valor tão expressivo estava sendo desconsiderado, é importante investigar qual será o impacto no RPPS", disse.
Resposta de Alexandre Kalil:
"Esse procurador do Ministério Público de Contas sempre demonstrou que está a serviço da oposição na Câmara Municipal. Ele fez de tudo para prejudicar o município. Nunca tive problemas com o Tribunal de Contas do Estado, que é um órgão sério. O único problema é o procurador que tem uma rixa pessoal comigo porque tem amizade íntima com vereadores da oposição. Falar em R$ 20 bilhões em Fundo de Previdência é uma piada contábil, já que o orçamento da Prefeitura é menor que esse valor. Os problemas que esse procurador apontam são “novos”: um contrato de ônibus de 2008 e agora esse de 2011. Assumi a prefeitura em 2017", diz a nota enviada pela assessoria do ex-prefeito.