Por que o escolhido de Dalai Lama pode afetar relações entre Tibet e China
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Recentemente, o 14º Dalai Lama, a mais alta hierarquia espiritual do budismo tibetano e a representação da reencarnação de Buda na Terra, reconheceu um menino, de 8 anos, com origem da Mongólia, como a reencarnação do 10º Khalkha Jetsun Dhampa Rinpoche, outro líder espiritual importante do budismo tibetano junto a Dalai Lama.
Em uma cerimônia privada, realizada no dia 8 de março, na cidade de Dharamshala, norte da Índia, o menino foi escolhido na presença de cerca de 5.000 monges e monjas e 600 mongóis.
O reconhecimento do menino por Dalai Lama, ganhador do prêmio Nobel da Paz, em 1989, provocou diversas reações. Na Mongólia houve comemorações entre os budistas, entretanto algumas reações negativas também foram vistas no país, vindo de nacionalistas seculares e de pessoas preocupadas com possíveis reações da China, que tem bastante interesse no assunto.
O escolhido
Antes de explicar o motivo do país chinês contrariar a escolha de Dalai Lama para o sucessor de Khalkha Jetsun Dhampa Rinpoche, vamos conhecer um pouco sobre a vida do menino escolhido.
De acordo com informações da mídia local, o menino mongol vem de uma família com formação acadêmica e corporativa, além de uma ex-avó parlamentar.
Ele é um dos dois meninos gêmeos chamados Aguidai e Achiltai Altannar, não se sabe qual dos dois nomes ele é. O pai é professor universitário de matemática, e sua mãe uma executiva de um conglomerado de recursos nacionais.
A política já está no sangue, já que a avó do menino, Garamjav Tseden, foi membro do Parlamento da Mongólia.
Atrito com a China
O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lucas Carlos Lima, é um pesquisador na área de relações internacionais, principalmente em questões que envolvem diplomacia e conflitos.
Ele explica a importância da escolha do menino para o contexto político envolvendo os países asiáticos.
“A figura do Dalai Lama é uma liderança religiosa do budismo tibetano, religião que forte enraizamento no Tibet. O Tibet é uma região sob o controle da China e há divergência entre os monges tibetanos e este país sobre quem teria legitimidade (política e jurídica) para governar o território”, expõe.
Lucas Carlos comenta que Dalai Lama já possui uma idade avançada, 87 anos precisamente, e que questões envolvendo sucessores já estão sendo discutidas, e que a posição e opinião do Khalkha Jetsun Dhampa Rinpoche pode ser crucial em decisões futuras, já que um grande número de budistas tibetanos não reconhece o Panchen Lama, escolhido pela China, outro cargo importante para a religião budista.
“A escolha do novo Dalai Lama, o menino de 8 anos da Mongólia, é um símbolo da continuidade dessa liderança religiosa e do movimento do budismo tibetano. Sua importância, de um ponto de vista religioso, é a continuidade de uma religião e da expressão cultural de um determinado povo”, completa.
Conflitos passados e atuais
No passado, uma criança tibetana desapareceu depois que o atual Dalai Lama nomeou como o 11º Panchen Lama. Algumas pessoas alegaram que a criança foi supostamente sequestrada pelas autoridades chinesas, já que como resposta, a China também nomeou sua própria escolha do Panchen Lama, que não teve reconhecimento de Dalai Lama.
Deste modo, foi escolhido o 11º Panchen Lama, e assim, algumas pessoas dizem que a China pretende fazer o mesmo com Dalai Lama e Khalkha Jetsun Dhampa Rinpoche, outros dois cargos que completam a trindade de líderes importantes do budismo tibetano.
O próprio Dalai Lama e o Parlamento tibetano descartam a escolha chinesa. A administração central tibetana tem sustentado repetidamente que Dalai Lama é o único responsável por sua reencarnação.
As desavenças religiosas já chegaram ao ponto do país chinês, em 2016, impor taxas sobre as importações de commodities na Mongólia, cobrando custos adicionais de trânsito de mercadorias que passavam por uma passagem de fronteira para a região norte da China, depois que Dalai Lama visitou o país, na qual é exilado desde 1959.
Intenção chinesa
O professor da UFMG explica que o interesse chines no budismo tibetano é pelo medo de voltar aos anos 50, quando o líder religioso liderou uma revolta tibetana com a intenção de liberar a província da China e se tornar independente.
“A preocupação da China se dá exatamente por conta do risco de contestação de seu controle na região do Tibete. Pode-se considerar que a renovação da liderança do budismo tibetano numa criança de oito anos poderia ser lida como o reavivar da chama pela independência do Tibete”, finaliza.
Ele complementa que a situação se tornou pior porque o menino reconhecido por Dalai Lama é oriundo de uma região, a Mongólia, que possui suas próprias tensões com a China.
Além de querer assumir a soberania sobre o Tibet, alguns estudiosos expõem que a China quer buscar assumir o controle do reconhecimento de líderes reencarnados.
O líder religioso, em entrevistas as mídias norte-americanas, no ano de 2010, disse que os tibetanos não estão buscando a independência, como afirma veemente a China, de que Dalai Lama é um perigoso separatista que tem a intenção de separar o Tibet da China.
Líderes chineses dizem que não querem que Dalai Lama tenha envolvimento com a identificação das reencarnações dos lamas budistas tibetanos, expondo que existe um sistema de longa data para identificar tais reencarnações e que devem ser respeitados.
Os reconhecimentos envolvendo o budismo tibetano costumam normalmente ser um ponto de tensão entre a China e o Tibet porque guiam a vida espiritual de milhões de pessoas na Ásia.
Portanto, ter o 10º Jebtsundamba escolhido pelo Dalai Lama é uma jogada que dá ao governo do Tibet uma grande vantagem sobre a China em assuntos relacionados ao budismo tibetano, como a escolha do próximo Dalai Lama.
FONTE: Estado de Minas