Problemas se multiplicam na cidade com menor arrecadação por pessoa em MG
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Cento e quarenta quilômetros separam a cidade mais rica do Brasil e de Minas do município de Esmeraldas, o mais pobre do estado em termos de arrecadação per capita. Uma das maiores em extensão territorial da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a cidade arrecada apenas R$ 9.608 por habitante, uma diferença exorbitante frente aos R$ 209 mil que entram no cofre de São Gonçalo do Rio Abaixo para investir em cada um de seus moradores. As escolas e o modesto hospital de Esmeralda, que está sendo reformado pelo governo do estado, em nada lembram a vastidão e a infraestrutura dos equipamentos públicos de São Gonçalo do Rio Abaixo, mas o maior problema mesmo da cidade é saneamento.
Com baixa industrialização e funcionando quase como uma cidade-dormitório, o município carece de emprego e esgotamento sanitário, que alcança hoje apenas 25% da população. A média do estado é de 77,9% da população atendida por esse serviço, segundo dados da plataforma Municípios e Saneamento, que reúne informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) do governo federal.
Os moradores da cidade estão até mesmo fazendo um abaixo-assinado para pressionar o poder público a resolver o problema. Eles querem que a Câmara Municipal aprove leis determinando a implantação do esgotamento em toda a cidade e também o asfaltamento das ruas, mas essa decisão não depende dos vereadores e sim de investimentos aportados pelo Executivo estadual ou municipal.
O prefeito de Esmeraldas, Marcelo Nonato (Solidariedade), foi procurado, mas não atendeu ao pedido de entrevista feito pela reportagem. O presidente da Câmara dos Vereadores, Klibas Andrade (Avante), também foi procurado, mas não retornou o pedido de entrevistas conforme prometido. O vereador Alan Delon Borges da Silva, conhecido como Alan do Açougue (PRB), afirmou ter ficado triste com a informação de que a cidade tem uma das mais baixas arrecadações do estado por habitante, mas disse que só poderia falar sobre o assunto pessoalmente.
A despachante imobiliária Sandra Nunes, de 52 anos, que trabalha em Belo Horizonte e mora em Esmeraldas, diz que só os bairros do “miolo” da cidade têm esgoto canalizado. “O resto é fossa”, afirma Sandra, que mora na região conhecida como Dumaville, loteada há cerca de 30 anos e até hoje sem esgoto tratado, que corre a céu aberto nas ruas sem calçamento.
Também morador de Dumaville, Geraldo Assis Alves, de 56, viúvo, cobra saneamento e ruas calçadas, mas sua maior preocupação mesmo é com emprego para os filhos, ao todo seis, quatro deles já adultos. “Aqui todo mundo sai para trabalhar fora, pois não tem emprego. Todos os meus filhos trabalham em Betim ou Contagem. Eu faço bicos”.
Nascido em Januária, no Norte de Minas, mas morando em Esmeraldas desde 1980, o radialista José Jorge Nunes Ribeiro, de 59, afirma que, apesar da carência econômica, “viver em Esmeraldas é muito bom”. “Mas nossa arrecadação de impostos é baixíssima, a gestão dos recursos dá piedade e os sucessivos governos não veem as prioridades para a cidade. Falta investimento em educação, saúde e empregos, quase não temos indústria, mas já tivemos uma grande extração da areia e fomos uma das maiores bacias leiteiras da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Hoje amargamos o fato de viver em uma cidade-problema, com crescimento desordenado, desemprego e loteamentos feitos à revelia”, critica.
Cofres vazios em delta turístico
Portal do Delta do Parnaíba, uma das maiores atrações turísticas da divisa com o Piauí, a cidade de Araioses, no interior do Maranhão, foi palco de uma das mais importantes revoltas populares do século 19 contra as péssimas condições de vida da população e que ficou conhecida como Balaiada. Hoje, apesar de ser uma das maiores produtoras da região de caranguejo e pó de carnaúba, usado para fabricação de ceras e plásticos para a indústria automobilística, amarga a mais baixa arrecadação per capita do Brasil e sofre com desemprego e um comércio fraco.
O vereador de Araioses José Arnaldo Souza, o Professor Arnaldo (Republicanos), atribui a baixa arrecadação ao sistema tributário do município, à guerra fiscal e à falta de preocupação de sucessivos governos em melhorar a captação de receitas. Segundo ele, os governos locais se contentam em viver do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma transferência constitucional de impostos feita com base na população de cada cidade. O código tributário municipal, de acordo com ele, também tem uma alíquota elevada de Imposto Sobre Serviços ISS) e uma fiscalização pouco efetiva, o que contribui para a baixa arrecadação. A prefeita Luciana Marão Felix (sem partido) não retornou o pedido de entrevista enviado por e-mail e também por meio da secretária dela.
Para o vice-presidente da Associação Comercial de Araioses, Francisco Fonseca dos Santos, falta planejamento, fiscalização e diálogo. Segundo ele, a cidade é o portal da maior atração turística da região, o Delta do Parnaíba, mas não arrecada nada com isso. As lanchas que fazem o passeio ao delta têm que passar pelo município, mas não é cobrado nenhum imposto. Mesmo caso na extração do pó da carnaúba e do caranguejo que, segundo ele, são coletados sem nenhum controle e vendidos para todo o Nordeste sem que a cidade receba sequer um centavo. “Já tivemos, anteriormente, um posto de fiscalização para evitar a saída dos caranguejos sem nenhum imposto, mas ele foi desativado”, afirma.
Ele também cobra uma maior fiscalização para combater a sonegação fiscal e apoio para o incremento ao comércio. “As pessoas saem da cidade onde elas moram para comprar nos municípios vizinhos, que têm maior variedade, grandes redes e preço muitas vezes melhor”. A cidade, avalia ele, tem um enorme potencial turístico, com locais lindos e uma das grandes atrações da região: a revoada dos guarás, aves de plumagem vermelha que se alimentam de caranguejos e têm na cidade de Araioses seu berço natural. (AM)
Tropeço no sistema tributário
Para Sérgio Gobetti, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), responsável pelos dados sobre arrecadação per capicata dos municípios, a discrepância econômica entre os municípios é um dos problemas do sistema tributário brasileiro. “A opção por repartir as receitas tributárias com base no princípio da origem, dando os recursos ao local da sede das empresas e não ao local em que vivem as pessoas, gera essa gritante distorção”, afirma.
Para ele, essa extrema desigualdade, seja na sociedade, seja na Federação, “é algo muito ruim, não só do ponto de vista filosófico, mas pelo lado prático, porque afeta o ambiente social e econômico negativamente”. “E, no caso dessas enormes diferenças de receita entre municípios, é algo inadmissível se pensarmos que isso decorre simplesmente de decisões políticas sobre as regras de tributação e repartição de recursos”, afirma o economista, que já foi secretário adjunto de Política Fiscal e Tributária da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, durante o governo Dilma Roussef.
Segundo ele, a definição de mais pobre e mais rico feito pela Ipea tem como base a receita per capta por habitante, “seja considerando o ICMS + o ISS, seja considerando todas as receitas”.
FONTE: Estado de Minas