Reação de morador expõe alta de ataques a residências em BH
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A audácia e a criatividade de criminosos para invadir residências em Belo Horizonte vêm tirando o sono de moradores e desafiando as autoridades. Aproveitando brechas de segurança, a ousadia não os impede nem mesmo de arrombar prédios, que antes eram considerados mais seguros do que as casas. Na última sexta-feira, o vídeo de um morador perseguindo assaltantes com uma espada japonesa, no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, repercutiu nas redes sociais. A reação inusitada reflete uma estatística alarmante: BH tem uma média de 17,2 furtos a residência por dia. O temor cresceu desde o ano passado, com um salto de 8,5% nos crimes de invasão a domicílio na comparação com o primeiro semestre de 2022, segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
O fisioterapeuta Alisson D’jean, de 39 anos, ganhou o apelido de “Samurai de BH” depois de impedir o roubo de bicicletas em seu prédio correndo atrás dos criminosos com uma espada katana, usada por samurais e praticantes de Aikido — arte marcial japonesa. O caso aconteceu na madrugada de quinta-feira (3/8), que precedeu o Dia dos Pais, mas o vídeo só foi divulgado na sexta-feira (25/8). No vídeo, é possível ver três suspeitos entrando dentro do condomínio por um buraco no portão da garagem.
Em seguida, já dentro do prédio, os homens são vistos empurrando bicicletas. Alisson, então, sai do elevador e corre em direção aos ladrões, armado com uma katana. Essa era a quarta vez que eles invadiram o condomínio em que ele mora com a família. A própria polícia teria dito a Alisson que o próximo alvo dos criminosos seria entrar nos apartamentos. “A única coisa que eu queria era proteger minha família e os outros moradores. Estamos em um prédio em que a maioria é de idosos, inclusive a minha. Ao invés de esperar eles aparecerem na minha porta, decidi surpreendê-los”, conta. Os criminosos se aproveitam de brechas de segurança no acesso aos prédios, onde procuram itens fáceis e rápidos de serem levados, como bicicletas ou objetos dentro de carros.
“Eles foram encontrando todos os pontos fracos do prédio, desfazendo alarme, rompendo o portão. São ladrões experientes”, disse Alisson D’jean ao Estado de Minas. Apesar da reação, ele não aconselha este tipo de atitude. “Me senti apto a reagir, porque já conhecia o perfil desses invasores. Não esperava encontrar arma de fogo. Arma branca por arma branca, me considero um pouco mais treinado do que eles”, disse ele, que pratica artes marciais desde os 13 anos.
Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, somente instalar equipamentos de vigilância não basta para combater esse tipo de violência. Regras básicas de segurança não devem ser negligenciadas. É exatamente nesses descuidos que os criminosos se aproveitam. “A vigilância é um dos fatores mais importantes para inibir o crime. É uma ilusão pensar que estamos livres de qualquer ação criminosa contra o patrimônio. Sempre haverá nova prática a ser descoberta”, aponta o cientista social Robson Sávio Souza, pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Foi exatamente o que aconteceu no prédio de Alisson. No intervalo de um mês, foram três outras tentativas de invasão. “O furto acontece, normalmente, mediante arrombamento. Para isso, os proprietários não estão em casa. Já o roubo, geralmente, é quando a pessoa está chegando em casa e é abordada pelo criminoso. Esse é o momento mais crítico, pois a pessoa entra na residência junto com o proprietário”, explica Robson Sávio.
“A pessoa não tem mais preocupação em ser identificada, em ser filmada. Hoje qualquer lugar tem câmera. É recomendado ter um conjunto de equipamentos integrados, câmera, alarme, sensor, e manter cautela extrema. Muitos entram no carro sem olhar quem está por perto, deixam a porta aberta”, comenta o advogado criminalista e pesquisador em segurança pública Jorge Tassi. Ele ressalta que o crime contra o patrimônio se difere do roubo por não ter emprego de armas ou de grave ameaça.
DESATENÇÃO PERIGOSA
A desatenção com a segurança quase custou caro aos moradores de um prédio no bairro Santo Antônio. Depois de um problema na porta, eles decidiram deixar a entrada para o condomínio aberta até que o acesso fosse consertado. Em menos de 48 horas, o prédio sofreu uma tentativa de arrombamento. “São duas portas para chegar até a parte de dentro do prédio e essa porta de vidro tinha risco de quebrar. Os vizinhos quiseram deixar ela aberta. Eu alertei que isso era um chamariz para possíveis ladrões”, conta um morador, que preferiu não se identificar.
Ele reforça o alerta do especialista em segurança para redobrar a atenção: “Não podemos facilitar em nada. Temos que estar muito atentos a todas as medidas de segurança, as mínimas e as extras, porque qualquer chamariz é motivo para sermos vítimas”, destaca. “É complicado cobrar da polícia, pois elas fazem o trabalho. Não tem como esperar que eles estejam em todos os lugares o tempo todo. Acho que a impunidade maior é a não execução das leis, pois muitas vezes eles não ficam presos”, aponta Silvio Magalhães, presidente da Associação de Moradores do Bairro Santo Antônio. Para ele, o cenário preocupante se repete em toda cidade.
Na avaliação de especialistas, a alta de furtos é justificada por uma transição do dinheiro físico para o digital. “As pessoas estão com os bens guardados em casa. Os pequenos crimes de furtos têm uma fundamentação em cima de problemas econômicos e sociais. Muitas vezes as pessoas praticam um crime de furto, porque ele está vinculado a uma ideia de ser um crime menor. Não preciso utilizar violência, só preciso acompanhar quando essa pessoa vai viajar, por exemplo”, ressalta Jorge Tassi.
“A gente faz de tudo e eles vão achando um jeito”
O número de furtos em Belo Horizonte aumentou de 2022 para 2023, subindo de 3.343 para 3.628, entre janeiro e julho, segundo a da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de Minas Gerais. Os dados não têm informações específicas, como a divisão por bairros. A secretaria diz que evita a estigmatização de um local em detrimento de outro, mas que eles podem ser acessados via Lei de Acesso à Informação. Mesmo redobrando os cuidados com segurança, a população se sente insegura e cobra mais ações de combate ao crime e uma lei mais dura. As vítimas se sentem vulneráveis e, por isso, temem revelar seus nomes.
“A sensação que se tem é de que a gente faz de tudo e eles vão achando um jeito. A gente se sente de mãos atadas”, lamenta uma moradora do bairro Sion, também na Região Centro-Sul de BH. Ela teve o apartamento arrombado na semana passada, enquanto a família viajava. O prédio tem câmeras de segurança e alarme.
Na avaliação do pesquisador em segurança pública Jorge Tassi, crimes como esses são praticados por pessoas de confiança da família. “Tem alguém que deu todas as letras, todas as indicações para que o crime viesse a acontecer, como burlar a segurança”, afirma. O especialista também defende que as pessoas sejam mais criteriosas com o que postam nas redes sociais. “A gente precisa ser menos imediato. Eu realmente acho que a exposição nas redes sociais é exagerada. Você não vai exibir que instalou um sistema de câmeras em casa”, observa.
As forças de segurança reforçam que os casos de arrombamentos – e todos demais crimes – devem ser registrados pela população. A partir dos dados, as polícias Militar e Civil organizam as estratégias de prevenção e repressão aos crimes. A PM garante que rondas rotineiras são feitas em toda a cidade. “Diversas medidas para combater esses delitos têm sido adotadas, incluindo o aumento do patrulhamento preventivo em áreas críticas, intensificação das operações, além de cooperação com outras agências de segurança. É importante destacar também que a Polícia Militar tem feito inúmeras prisões de autores de furtos e arrombamentos, porém estes não ficam encarcerados, o que contribui para a reincidência criminal”, disse a corporação por meio de nota.
FONTE: Estado de Minas