Submarino desaparecido em missão ao Titanic: como aviões para buscas ‘enxergam’ embaixo d’água
Desde a confirmação do desaparecimento do veículo submarino Titan no Oceano Atlântico, navios vêm vasculhando o mar à sua procura abaixo da superfície.
Na quarta-feira (21/06), a Guarda Costeira dos Estados Unidos anunciou que uma aeronave P-3 canadense havia identificado ruídos subaquáticos não explicados – aparentemente, sons de batidas em intervalos de meia hora.
As autoridades afirmam que os sinais continuam sendo investigados e analisados.
Mas como uma aeronave voando alto acima das ondas pode detectar algo tão profundo no oceano?
Tradicionalmente, alguns dos maiores e tecnologicamente mais avançados aviões da força aérea de qualquer país têm como único propósito a busca por submarinos.
Frequentemente inspirados em projetos civis, essas máquinas utilizam um conjunto de potentes sensores de ruídos para localizar submarinos militares embaixo d’água.
Normalmente, a busca é um jogo de gato e rato entre a aeronave e os submarinos que querem ficar escondidos. Mas não é este o caso do Titan.
Os caçadores aéreos estão equipados com novas e avançadas tecnologias, o que pareceria dar a eles a vantagem nas buscas. Mas, como demonstra o submarino perdido, ainda é muito difícil encontrar veículos submarinos, especialmente a 3,8 mil metros de profundidade, onde se encontram os destroços do Titanic.
Batidas a cada 30 minutos
Leia: Busca por submersivel desaparecido perto do Titanic em fase críticaO Orion P-3, que detectou o misterioso ruído, é um turbopropulsor com três motores. Ele entrou em operação em 1962 e seu projeto é baseado no avião comercial Electra, da empresa Lockheed.
A aeronave ouviu o ruído depois de lançar sonoboias que flutuam na superfície, em busca de sinais que provavelmente não sejam de origem natural. Ela captou um ruído de batidas em intervalos regulares de 30 minutos e os especialistas indicam que este é um sinal de que os ruídos são produzidos por seres humanos.
“O intervalo de 30 minutos entre os ruídos aquáticos é um ótimo sinal”, segundo o professor de geociências forenses Jamie Pringle, da Universidade de Keele, no Reino Unido. “O [ruído do] propulsor de um navio na superfície seria contínuo.”
“O ruído acústico viaja por longas distâncias na água. Por isso, esta é uma boa e uma má notícia”, explica ele. “Você precisa de [pelo menos] três dessas boias estáticas para poder triangular a fonte do som e conseguir uma posição fixa.”
O Orion P-3 da Lockheed também é equipado com detectores de anomalias magnéticas, que captam distúrbios minúsculos no campo magnético da Terra, causados por cascos metálicos de submarinos.
Se uma aeronave equipada com esses detectores sobrevoar uma grande massa de metal na sua faixa de detecção, ela irá registrá-la. Mas a presença conhecida dos destroços de um grande navio de aço como o Titanic dificulta o uso desta técnica.
Boeing P-8 Poseidon, o navio de patrulha marítima mais avançado do mundo
O P-3 não é a única aeronave envolvida na busca. Outros aviões que estão varrendo o Atlântico incluem o Hercules C-130 e o relativamente novo Poseidon P-8 da Boeing, conhecido como o veículo de patrulhamento marítimo mais avançado do mundo.
O Poseidon parece familiar porque foi derivado do avião de passageiros Boeing 737. Seu alcance é muito menor que o do P-3: 2.250 km, contra 9.000 km. Mas ele pode voar a uma altitude 3.660 metros maior e com mais rapidez.
Como em um jogo de batalha naval, a tripulação do Poseidon usa um padrão de grade para descobrir onde está ou não o submarino. Em seguida, ela se fecha onde o submarino, chamado de submersível por especialistas, pode estar.
Isso é possível empregando uma das formas mais eficazes de rastrear submarinos: campos de sonoboias.
Disparadas de um lançador giratório em grande altitude, as boias Multiestáticas Ativas Integradas (MAC, na sigla em inglês) geram diversos pulsos de sonar ao longo do tempo, para que durem mais tempo e ampliem o seu alcance.
A disposição de boias como estas é um dos maiores segredos existentes entre os equipamentos militares contra submarinos. Um único P-8 pode lançar mais de 120 boias.
Além das boias, o Poseidon usa todo um conjunto de tecnologias que inclui o seu próprio sensor acústico, um radar de abertura sintética (SAR) para detectar, classificar e rastrear submersíveis na superfície e detectar periscópios a longa distância, uma torre eletro-óptica de infravermelho que pode identificar escapamentos de submarinos, Medição Eletrônica de Apoio (ESM) como sensor eletromagnético que é particularmente útil para rastrear as posições de emissores de sinais de radar e até um sistema de rastreamento de hidrocarbonetos, para “farejar” a presença de submarinos militares elétricos a diesel.
Mas o Poseidon voa alto demais para usar com eficiência a detecção de anomalias magnéticas. Por isso, estão sendo utilizados drones – Veículos Aéreos Não Tripulados (UAVs) – equipados com esses detectores para lançamento a partir dos seus tubos de sonoboias.
A necessidade de uma localização aproximada
O que não mudou, mesmo para as aeronaves com tecnologia mais avançada, é a necessidade da velha inteligência.
“Para ser mais eficaz, o P-8 precisa primeiro ter uma noção geral da localização e da direção do submarino para encontrá-lo”, segundo o pesquisador Sidharth Kaushal, do think tank (centro de pesquisa e debates) britânico sobre defesa e segurança Royal United Services Institute (RUSI).
Na pesquisa militar, essa “noção geral” depende da inteligência obtida por meio de sinais, imagens de satélite, contato pessoal e até redes cada vez maiores de hidrofones instalados no leito oceânico – muitas vezes, em “pontos de obstrução”, para detectar quando os submarinos passam sobre eles.
Mas, no caso do submarino perdido Titan, estas indicações são poucas e espaçadas.
Talvez uma das capacidades mais importantes do Poseidon (que o diferencia do Orion) é a possibilidade de trabalhar como centro de comunicações – um “nó”, como se estivesse no centro de uma rede de navios, UAVs equipados com sensores e Veículos de Superfície Não Tripulados (USVs), o que, de fato, multiplica sua potência.
E esta potência em rede faz com que alguns analistas acreditem que o surgimento de um avião como o Poseidon esteja levando a uma era em que o mar irá se tornar “transparente”, impossibilitando os submarinos de se esconderem. Mas, embora as tecnologias e capacidades do Orion e do Poseidon façam parecer que eles tenham grandes vantagens, existem também suas limitações.
Os pulsos de sonar, por exemplo, podem sofrer interferência de camadas de água com diferente temperatura e salinidade. Os submarinos podem esconder-se debaixo delas.
A tecnologia de detecção magnética costuma ter curto alcance, detectando apenas os submarinos que estão perto da superfície e da posição da aeronave. E os veículos submersíveis também podem evitar que sejam detectados, permanecendo escondidos no “ruído ambiente” do oceano.
O P-8 pode ser o caçador de submarinos mais avançado do mundo. Mas o analista de defesa independente H. I. Sutton afirmou à BBC que “sistemas como o do Poseidon ainda precisarão saber para onde devem olhar”.
Na verdade, encontrar um submarino pode também ser questão de sorte. Afinal, foi o Orion P-3, com 60 anos de idade, que detectou as batidas que podem estar vindo do submarino perdido.
Nota: Apesar da definição genérica de submarino se aplicar também a embarcações submersíveis do tipo do Titan, tecnicamente falando uma embarcação submersível difere de um submarino pela sua capacidade autônoma de deslocamento. Segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration, do Reino Unido, submarino é uma embarcação com capacidade de navegar no oceano por si mesma a partir de um porto de origem, enquanto um submersível possui reservas limitadas de energia tendo que ser transportado ao local de imersão por um outro veículo que se encarrega do lançamento e resgate do veículo.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
FONTE: Estado de Minas