DJ K: filho de pastor ganha elogios da crítica internacional e prepara turnê europeia com ‘funk bruxaria’

10 ago 2023
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Paulista DJ K aprendeu a produzir sozinho e gravou o disco 'Pânico no Submundo' em seu quarto, em três dias. Kaique tem 22 anos e encantou site Pitchfork e revista 'DJ Mag'. DJ K ganha elogios da crítica internacional e prepara turnê europeia com 'funk bruxaria'

Os bailes da Zona Sul de São Paulo estão dominados pela "bruxaria", uma vertente do funk que ganhou visibilidade fora do Brasil nas últimas semanas graças a Kaique Alves Vieira, o DJ K.

Sem nunca ter entrado em um avião na vida, Kaique, de 22 anos, vai encarar uma turnê na Europa depois que seu álbum "Pânico no Submundo" recebeu elogios do Pitchfork, um dos sites de música mais influentes do mundo. A revista "DJ Mag" também aprovou o som dele.

O gênero "bruxaria" é o funk mandelão atrelado a elementos que criam uma atmosfera de horror para a música. Kaique usa também influências do rock.

Kaique é filho de um pastor evangélico.

Fábio Tito/ g1

O disco que foi feito no quarto do produtor recebeu a nota 7.9 do site. A nota é maior do que a do disco "Yellow Submarine", dos Beatles (a revista deu 6.2), por exemplo.

Kaique foi convidado para tocar na Europa. Ele viaja em outubro e vai passar por países como França, Inglaterra e Bélgica. Existe possibilidade de acrescentar mais shows na agenda.

"Eu nem conhecia a revista, acordei com um monte de menção nas redes sociais, não tinha entendido nada. Aí fui ler a notícia. É Pitchfork o nome? Eu achava que era Pitchforte, não fazia ideia do que era", conta o DJ ao g1. "Fui pesquisar algumas menções, entrei no Twitter, vi gente me comparando com Taylor Swift, Beatles, que tiveram uma nota menor que a minha. Não tenho nem palavras para descrever como é ser comparado e ter uma nota maior."

"Pânico no Submundo" tem 15 músicas, produzidas em 3 dias;

O álbum foi todo feito no quarto de Kaique, em um computador simples no qual aprendeu sozinho a produzir com o software FL Studio;

O DJ K criou sua própria produtora, a Bruxaria Sound e alguns dos MCs que participaram do "Pânico no Submundo" fazem parte do catálogo;

Ele ganhou o apelido de "Bruxo" por ser um dos expoentes da "bruxaria", subgênero do funk mandelão, estilo de funk mais potente, com repetições, letras mais pesadas e bases estouradas.

"No 'Pânico', alguns MCs vieram aqui em casa gravar, quando não rolava, eles mandavam o áudio por mensagem e eu só encaixava no beat", contextualiza o DJ.

O g1 foi até a casa de Kaique, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Durante a entrevista ele topou um desafio de fazer uma música em poucos minutos.

Enquanto conversava, Kaique separou os samples a serem utilizados, colocou a vinheta "DJ K, não tá mais produzindo, tá fazendo bruxaria". Com a ajuda de dois amigos MCs, a bruxaria foi concluída em 22 minutos (ouça a música no vídeo acima).

Louvado seja o funk

DJ K nasceu em Diadema, no ABC de São Paulo.

Fábio Tito/ g1

Kaique é filho de um pastor evangélico. Apesar de ser de família religiosa, conta que tem todo o apoio dos pais para viver de funk. "Eu tentei fugir, já fui técnico mecânico, fiz uns trabalhos como eletricista, com o meu pai, mas não durava 2 meses na mesma empresa. Sempre acabava voltando para a música".

Nascido em Diadema, o jovem sempre teve contato com música e é um fã de rock. O pai de Kaique tocava bateria e o tio tinha uma banda de reggae. "Meu tio me levava para todos os lugares, para ver ele tocar e eu acabava indo para o estúdio e assistia às produções. Eu ficava fascinado, sempre quis viver de algum gênero musical e o funk foi onde tive visibilidade. Mas comecei no reggae e no rock, o que me fez desenvolver o gosto pela profissão."

Ele diz que não insistiu nesses dois estilos, porque "você precisa de uma banda e instrumentos para fazer música". "No funk, é só um computador. Então, era esse o recurso que eu tinha: um computador e um fone de ouvido que funcionava só de um lado. Comecei como produtor, não tinha nem vontade e nem ideia de como era tocar em um baile, mas no funk você vira DJ de qualquer jeito." Até agora, ele contabiliza a produção de pelo menos 200 músicas.

"O meu pai finge que não escuta minhas músicas, mas minha mãe me manda uns vídeos dele ouvindo no carro. Mas eu entendo eles não gostarem também. É muito agressivo, nem eu escuto as músicas que produzo. Acabo escutando bastante rap, rock e funk consciente, que é mais tranquilo."

Por que parece filme de terror?

Jovem produz música em casa.

Fábio Tito/ g1

A Pitchfork chamou o som de DJ K de "horrorcore", subgênero atrelado ao hip hop surgido no final dos anos 80, quando rappers começaram a criar letras mais sombrias com samples de temas clássicos de filmes de terror. Essa busca em criar funks com batidas mais sombrias gerou a tal da "bruxaria".

"Eu fiz esse álbum para falar como é o submundo das favelas e o pânico literal que existe nesse lugar. Meu auge de escutar música foi na pandemia, quando estava um caos dentro das comunidades com um monte de baile clandestino. Eu quis trazer esse meio sombrio para o álbum, um pânico mesmo. Ele não é para ter paz, não é para ser ouvido tranquilo".

Kaique define a "bruxaria" como uma mistura do que é ouvido e visto em filmes de terror e suspense, só que em formato musical. A ideia é colocar gritos, risadas sinistras e barulhos ensurdecedores. Em alguns momentos, o silêncio é utilizado para potencializar todo barulho que vem depois. Ele utiliza ainda o agudo do famoso "tuin", barulho que se popularizou nos funks do estilo mandelão.

"É um monte de coisa misturada, que dá 'piripaque' na cabeça e você não entende nada que está acontecendo, mas tem uma sonoridade, não é simplesmente uma batida. Dentro da favela é muito aceito e muita gente gosta, a gente ta virando um movimento gigante."

A inspiração em filmes de horror e suspense é visível nas músicas de Kaique como:

“Sequência Terrorista do Heliópolis” tem trecho do tema da franquia de "Halloween";

"Erva Venenosa", ele faz uma referência à trilogia "Noite de Crime". O mesmo trecho é utilizado na música "Isso não é um teste".

"Eu pego os filmes como uma referência que vai além do funk, gosto de fazer desse jeito. Quando toco nos bailes misturo com rock, que é um gênero que eu gosto. Já toquei Evanescence, System of a Down e até Guns N' Roses no meio da favela".

Mas apesar do instrumental focado no suspense e no horror, as letras das músicas do DJ K seguem o funk proibidão. Kaique diz que não interfere nas composições e cada MC parceiro fica responsável pelos versos.

A crítica da Pitchfork, porém, foca mais no som do que nas letras: "Se o mundo estivesse acabando e o Armagedom fosse iminente, o produtor paulista provavelmente gravaria as sirenes de ataque aéreo antes de se trancar em um bunker e delirar pelo resto da eternidade".

Já está ganhando dinheiro?

Kaique vai ser acompanhado na Europa pelo pesquisador e jornalista pernambucano GG Albuquerque. Ele quem convenceu o jovem a lançar o álbum "Pânico no Submundo" e é o produtor da turnê europeia.

Segundo ele, DJ k ainda não recebeu convites para fazer shows no Brasil e segue sendo "um artista de pequeno porte". "Ele é um cara que deveria estar tocando nos festivais, nos clubs de São Paulo, mas a agenda de shows dele ainda precisa ser preenchida", resume GG.

"Essa economia está girando para a Anitta, ou artistas que daqui alguns anos vão pegar elementos do som que o DJ K faz e passar a utilizar com atraso. Essas inovações surgem nas periferias e são incorporadas pela música pop. Ele ter que chamar atenção primeiro na gringa para depois ser olhado pelos brasileiros é bem triste. Nós deveríamos estar mais atentos a nossa música, que não está nos lugares óbvios", completa o produtor.

Kaique começou a tocar em bailes e sua principal renda vem de serviços de streaming, como o Spotify. Segundo Kaique, no entanto, a maior parte do lucro dele e de sua produtora vem do TikTok. Além disso, a turnê na Europa será bastante lucrativa, é claro.

"Quando me falaram de ir para lá [Europa], quase falei que não ia, mas quando soube do valor, favela venceu né... Nunca saí de São Paulo, só fui para Minas Gerais de carro uma vez. Fiquei em choque no dia que me procuraram para fazer show na Europa. Já tirei meu passaporte, vai um tradutor comigo para me ajudar, mas eu estava bem em choque com a ideia, sei lá, tocar em um baile para um monte de pessoas que não falam minha língua."

Uma das músicas que vão colocar os gringos para dançar deve ser "Olha o Barulinho da Cama Renk Renk Renk", lançada em 2021. Ela já passou de 17 milhões de reproduções no Spotify. "Como produtor a gente pensa muito em virar um hit né, chegar no topo dos streamings. Essa meio que elevou meu nível, fiquei mais conhecido e ganhei uma graninha com ela."


FONTE: G1 Globo


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