Intérprete potente, Assucena pode mais do que mostra no primeiro álbum solo, ‘Lusco-Fusco’

13 out 2023
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Evidente nos shows, a força da voz da artista soa diluída no disco autoral produzido por Pupillo e Rafael Acerbi. Assucena apresenta dez músicas autorais no primeiro álbum solo, 'Lusco-Fusco', com destaque para o baião 'Enluarada'

Natalia Mitie / Divulgação

Capa do álbum 'Lusco-Fusco', de Assucena

Natalia Mitie com arte de Coletivo Oitenta e Dois

Resenha de álbum

Título: Lusco-Fusco

Artista: Assucena

Edição: Edição independente da artista

Cotação: ★ ★ ★

♪ Quem já viu show solo de Assucena sabe da força desta artista baiana revelada como vocalista do trio paulistano As Baías (2015 – 2021) e, ao ouvir o disco Lusco-Fusco, percebe que a cantora pode mais do que mostra neste primeiro álbum solo.

Em rotação desde 29 de setembro, Lusco-Fusco chega ao mundo dois anos após Assucena debutar na carreira solo com o show Rio e também posso chorar – Fatal 50 (2021), tributo aos 50 anos do emblemático álbum ao vivo Gal a todo vapor – Fa-Tal (1971).

Assucena é intérprete hábil no uso da potência da voz para dar o recado das letras das músicas que escolhe cantar. Por isso mesmo, com exceção do canto de Quase da cor dos seus olhos, balada gravada por Assucena somente com o toque do piano de Rafael Montorfano, fica difícil identificar o vigor vocal da artista na interpretação das dez músicas que compõem o repertório inteiramente autoral do álbum Lusco-Fusco, gravado sob direção artística da própria Assucena.

Talvez o erro tenha sido confiar a produção musical do disco a Pupillo Oliveira – arquiteto de álbuns mais calcados na sonoridade – e a Rafael Acerbi, guitarrista que, revelado no trio As Baías, seguiu acompanhando Assucena nos shows da carreira solo da artista. Ambos os produtores são essencialmente (excelentes) músicos e arranjadores, parecendo mais interessados em sons de instrumentos do que propriamente em explorar a potência de vozes.

O fato é que a habitual força interpretativa de Assucena se dissipa no canto de músicas como Fluorescente – cuja gravação parte do samba e acaba nele, mas abarcando funk e eletrônica pelo caminho – e Nu.

Nu é canção de refrão fluente que combina o toque da guitarra de Vitor Wutzki com beats dos sintetizadores de Hervé Salters, tecladista que vem trabalhando com a cantora Céu, diretora artística dessa faixa Nu (já previamente lançada em single), de Manhoso demais e de A última, quem sabe, mix estilizado de arrocha e bolero que sobressai na oscilante safra autoral do álbum Lusco-Fusco.

Assucena assina a direção artística do álbum 'Lusco-Fusco', tendo a colaboração de Céu em três das dez faixas

Natalia Mitie / Divulgação

O disco deixa a impressão de que Acerbi poderia ter arrancado de Assucena uma interpretação mais visceral do que a imprimida pela cantora na balada-blues Reluzente, para citar somente um entre vários possíveis exemplos dados pelo disco. Até porque, cortado pela vinheta Meeira, o repertório do álbum Lusco-Fusco apresenta músicas de letras fortes.

Assucena tem muito o que dizer para o Brasil e sobre o Brasil. “Meu primeiro álbum autoral faz reflexão sobre o Brasil contemporâneo e sobre o meu corpo como território político nessa mátria que tem a brasa como radical de seu nome. Tem como princípio discutir as TRANSições, as TRANSformações, as TRANSmutacões: a brasa tanto como o momento da ascensão quanto de extinção do fogo. Nasce de minhas necessidades de comunicar existências, afetos, desilusões e demandas de pessoas trans e travestis”, conceitua a artista.

Antecedido pelo single Menino pelo cor de jambo (2022), lançado em novembro do ano passado com samba-rock que bebe na fonte matricial de Jorge Ben Jor, um dos principais difusores do gênero, o álbum Lusco-Fusco tangencia o pop em Ad aeternum – música de Assucena com Paulo Neto, único parceiro da artista entre as dez músicas – e fecha muito bem na pisada festeira do baião Enluarada, introduzido pelo toque da sanfona de Lulinha Alencar.

Enfim, Assucena é uma das artistas mais talentosas da geração musical brasileira revelada nos anos 2010. Tanto que, em apenas dois anos de carreira solo, a cantora e compositora já conquistou mais prestígio do que nos seis anos de atividade no trio As Baías.

O álbum Lusco-Fusco tem bons momentos, mas, a cada faixa, reitera a sensação de que discos mais luminosos virão com o tempo e com escolhas mais acertadas.


FONTE: G1 Globo


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