João Carreiro, voz rústica das tradições sertanejas, ignorou as modas do gênero
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Traído pelo coração caipira, artista morre aos 41 anos e deixa obra gravada em dupla com Capataz com letras moralistas, apegadas ao passado. ♪ OBITUÁRIO – No universo sertanejo, existem as modas de viola e as modas de um gênero quase centenário que vem sofrendo mutações ao longo de décadas para dançar conforme a música do mercado.
O cantor e compositor mato-grossense João Sérgio Batista Corrêa Filho (11 de novembro de 1982 – 3 de janeiro de 2024) ignorou os modismos e ficou com as modas de viola – a ponto de ter adotado o nome artístico de João Carreiro para reverenciar e expandir o legado do antecessor José Dias Nunes (1934 – 1993), o cantor mineiro imortalizado como Tião Carreiro. Dentro de mercado voraz e impositivo, João fez o que pode ao longo de 20 e poucos anos de trajetória profissional para honrar o sobrenome. Nascido em Cuiabá (MT), João Carreiro saiu precocemente de cena na noite de quarta-feira, 3, em hospital de Campo Grande (MS). A morte do artista, aos breves 41 anos, ocorreu em decorrência de cirurgia feita no coração e conseguiu unir o meio sertanejo em luto pela partida de um artista preso ao passado. João Carreiro já surgiu fora de época. Recusou se integrar à geração do sertanejo universitário, da qual fez parte ao entrar em cena para valer em 2003 – dois anos da explosão do gênero em 2005 a reboque do sucesso de João Bosco & Vinicius – em dupla com Hilton César Serafim da Silva, o cantor mato-grossense conhecido como Capataz. João Carreiro era das modas antigas, da viola (instrumento do coração) e das tradições de uma música que um dia foi caipira, mas foi deixando de ser já no fim da década de 1960. João Carreiro foi voz sobressalente em subgênero rotulado como sertanejo bruto e apegado aos cânones moralistas e musicais dos redutos de um Brasil rural ainda imune às modernidades do universo pop. Parceria de João com Jadson Alves dos Santos, lançada por João Carreiro & Capataz em 2009, a música Bruto, rústico e sistemático se tornou o maior sucesso do artista e sintetizou a visão do artista em letra com intolerável dose de homofobia. “Minha criação é xucra”, tentou justificar João em verso da composição. O título de outra música do repertório da dupla, Caipira de fato, lançada no álbum Lado A / Lado B (2012), soou inofensiva ao exaltar de forma romantizada a vida no campo e ao situar João no mapa sertanejo do Brasil. Só que o mundo vem mudando e essas mudanças também vêm se refletindo no universo sertanejo. As mulheres derrubaram a porteira do machismo – com Marília Mendonça (1995 – 2021) à frente do movimento rotulado como feminejo – e fizeram frente aos homens, como Gusttavo Lima. Tanto homens como mulheres foram adotando o discurso festeiro e hedonista das baladas (em letras sobre amores furtivos regados a cervejas) e misturando o gênero com ritmos como bachata, reggaeton, funk e forró. João Carreiro se tornou um artista cada vez mais fora de moda nesse sertanejo cheio de modismos e padrões. Talvez não por coincidência, o artista tenha começado a ficar com a saúde mental debilitada, o que levou à dissolução da dupla com Capataz em 2014. Em carreira solo desde 2015, João Carreiro permaneceu distante do mainstream, mas encontrou abrigo em nichos tradicionalistas do mercado sertanejo, tão vasto quanto o Brasil. E, ao modo dele, João Sérgio Batista Corrêa Filho inscreveu o nome na história da música sertaneja até morrer ontem, traído pelo coração caipira, apegado às tradições de um mundo antigo.FONTE: G1 Globo