João Donato, dono da própria bossa, deixa mistura única de jazz, ritmos latinos e música brasileira ao morrer aos 88 anos

17 jul 2023
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Parceiro de João Gilberto e Tom Jobim, o compositor e pianista acreano criou sonoridade moderna que transcendeu rótulos e movimentos. ♪ OBITUÁRIO – É cômodo, mas redutor, enquadrar João Donato de Oliveira Neto (17 de agosto de 1934 – 17 de julho de 2023) no escaninho da bossa nova.

Morto na madrugada de hoje em decorrência de série de problemas de saúde, a exatamente um mês de festejar 89 anos, o pianista, arranjador, compositor, acordeonista e cantor acreano transcendeu rótulos e movimentos com bossa toda própria.

Joao Donato foi amigo e parceiro de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e João Gilberto (1931 – 2019), expoentes mundiais da onda sonora que se ergueu no mar do Brasil em 1958, mas a bossa do som de Donato era outra, pautada pela mistura fina e singular de música brasileira com ritmos da América Latina e com o jazz que ele tanto amava.

Contudo, como a bossa de João Gilberto, a música de João Donato já nasceu moderna, permaneceu nova e nunca envelheceu. Até porque o artista nunca se prendeu ao passado.

O último álbum, Serotonina (2022), lançado em agosto do ano passado, no 88º aniversário do músico, soou repleto de jovialidade em dez músicas inéditas nas quais Donato celebrou o prazer de fazer música e de viver. Um prazer descoberto nos anos 1950, década em que o músico ainda tocava acordeom, mas distante do toque matricial de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), instrumento que o já entronizado rei do baião havia popularizado entre a juventude.

Donato sempre foi das modernidades, das dissonâncias, dos acordes surpreendentes – o que fascinava João Gilberto e Tom Jobim na mesma medida em que, nos anos 1950, assustava donos de boates com ouvidos mais ortodoxos.

Com a musicalidade entranhada na alma desde a infância, Donato compôs aos sete anos a primeira música, Nini, e se exercitou como músico no toque de flautas e até cavaquinho. Até se decidir pelo acordeom e, depois, pelo piano, quando já havia migrado da cidade natal de Rio Branco (AC) para a efervescência carioca do Rio de Janeiro (RJ), em viagem feita com a família em 1945.

Parceiro de Tulipa Ruiz, com quem fez show pelo Brasil entre 2019 e 2020, João Donato morre glorificado por novas e antigas gerações de músicos. Contudo, o artista precisou esperar pelo reconhecimento no Brasil, país onde se tornou popular somente a partir de 1973, quando se apresentou como cantor – com o aval entusiasmado de Agostinho dos Santos (1932 – 1973) e de Marcos Valle – no álbum Quem é quem (1973).

Foi quando a música até então essencialmente instrumental de Donato ganhou letras de parceiros ilustres, amplificando o alcance do mix de jazz, bossa nova e latinidades caribenhas e cubanas feito por Donato em estilo normalmente rotulado no exterior como jazz latino.

Quem é quem foi título divisor na discografia de Donato porque, depois deste álbum, as parcerias nunca mais cessaram em álbuns posteriores como Lugar comum (1975).

The frog (João Donato), por exemplo, tema apresentado pelo pianista Sergio Mendes em álbum de 1967 e regravado por Donato em 1970, virou A rã em 1974 ao ganhar letra de Caetano Veloso.

Gilberto Gil pôs letra em Lugar comum (1974), Emoriô (1975), Bananeira (1975) e, bem depois, em A paz (1987) – quatro músicas que figuram entre as mais conhecidas do cancioneiro de Donato.

O pianista acreano João Donato (1934 – 2023) pilota o instrumento que lhe deu reconhecimento entre grandes músicos do Brasil e do mundo

Cristina Granato

Contudo, João Donato nunca se apegou ao sucesso e às fórmulas que prometem esse sucesso. Continuou fazendo música livre de amarras e pressões. Como sempre fizera desde sempre. Tanto que, um ano após a explosão da bossa nova no Brasil, Donato partiu em 1959 para o México e, de lá, rumou para Los Angeles (EUA) em busca do jazz dos Estados Unidos, país onde tocou em orquestras de música latina e onde, mais tarde, já reconhecido entre os músicos norte-americanos de jazz, gravou discos como The new sound of Brazil – Piano of João Donato (1965) e A bad Donato (1970), álbum pautado por som elétrico que ganharia status de cult com o tempo.

Voltou ao Brasil rapidamente entre 1962 e 1963, o que gerou discos como Muito à vontade (1962) e A bossa muito moderna de João Donato (1963), mas o retorno mais importante foi em fins de 1972. Essa volta, prolongada a pedido dos amigos, resultou no definidor álbum Quem é quem.

Esquecido pelos brasileiros na década de 1980, Donato começou a ser redescoberto pelo país de origem na segunda metade dos anos 1990. Na sequência, o artista renovou o repertório autoral em dois álbuns com músicas inéditas, Ê lalá lay-ê (2001) e Managarroba (2002), ambos produzidos por Rafael Ramos.

Desde então, João Donato foi sendo progressivamente reconhecido como uma das maiores entidades da música brasileira.

A assinatura de Donato, seja como compositor de músicas como Nasci para bailar (João Donato e Paulo André Barata, 1982), seja no toque de pianos elétricos ou acústicos, se tornou inconfundível e facilmente reconhecível. Porque João Donato criou a própria bossa latina ao mesmo tempo em que contribuiu para o desenvolvimento da bossa nova oficial que o mundo reconhece como um dos maiores patrimônios do Brasil.

Por tudo isso, João Donato foi grande. Foi um gigante da moderna música do Brasil.


FONTE: G1 Globo


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