Karim Ainöuz busca raízes em ‘Marinheiro das Montanhas’: ‘tinha uma intuição que tinha algo muito bonito a se descobrir ali’
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Em longa entrevista ao g1, cineasta brasileiro fala sobre documentário no qual visitou a Argélia, país de seu pai, o novo filme, 'Motel Destino', e os projetos em Hollywood, 'Firebrand' e 'Rosebushpruning'. O diretor Karim Aïnouz posa para foto após entrevista à Reuters em Berlim
REUTERS/Fabrizio Bensch Karim Ainöuz foi em busca de suas raízes à Argélia, país de seu pai, em 2019. A viagem, que a princípio deveria ser apenas de reconhecimento, resultou nos dois documentários que estrearam nos cinemas brasileiros na última quinta-feira (28), "Marinheiro das Montanhas" e "Nardjes A." O primeiro, exibido no Festival de Cannes em 2021, foca mais na experiência de visitar o país africano pela primeira vez — e encontrar, além de pedaços de uma relação distante com o pai, um povo desconfiado à princípio, mas receptivo. "Eu tinha uma intuição que tinha algo muito bonito a se descobrir ali", conta o cineasta de 57 anos, cuja rica carreira tem obras como "Praia do Futuro" (2014) e "Vida invisível" (2019), em entrevista ao g1. "Ali (a Argélia) é um lugar que você pertence, mas você não pertence, entendeu? Aquilo ali tem um negócio que é além do consciente, que é quase do DNA mesmo. Mas não é também, entendeu?" Na longa conversa, o diretor explica por que levou tanto tempo para lançar o documentário narrado por ele, a gravação de seu próximo filme no Ceará, "Motel Destino", e a experiência com projetos em Hollywood, o exibido em Cannes "Firebrand" e o ainda não gravado "Rosebushpruning". Leia a íntegra da entrevista abaixo (editada para clareza): Ovacionado em Cannes, "Marinheiro das Montanhas", de Karim Aïnouz, ganha trailer; G1 - Primeiro, vamos falar sobre o "Marinheiro das montanhas". Acho que foi um dos filmes mais bonitos que eu vi esse ano. Karim Ainöuz - Pô, que alegria, cara. Fico tão feliz assim porque é um filme que eu achei que foi feito em 2019, e aí foi lançado em Cannes em 2021. Aí teve a coisa da pandemia e tem um negócio do governo (Bolsonaro) ali. Aquela loucura. E foi um filme que eu fiz tanto para passar na sala grande assim, sabe? Porque ele tem uma coisa cinestésica do som. Foi um filme que eu passei muito tempo na pós (produção), fazendo marcação de cor, fazendo mixagem, desenhando o som e tal. Então, eu fico muito feliz de ouvir isso assim. G1 - Em uma das primeiras imagens, você chegando ali de navio. Aquele mar parecia uma coisa de um blockbuster de ficção científica. Karim Ainöuz - Mas tem um elemento de ficção científica. Que bom que você notou isso. Ninguém tinha falado isso. Aquele foguete, entendeu? Para mim, eu ficava sempre pensando assim: "parece que eu estou indo para Marte". Quando eu fui trabalhar com o compositor do filme, falei: "cara, vamos fazer uma coisa meio sci-fi, assim, que tem uma sonoridade que seja de sintetizador, entendeu?". Ele falou: "ai, vamos fazer uma coisa da Argélia". E eu: "Não, vamos fazer uma coisa marciana". Porque tem um pouco de ir para um outro planeta. Não só tem um outro planeta, como eu ir pela primeira vez àquele lugar, como a Argélia em si é um outro tempo. Então, tem uma viagem no tempo e no espaço. Na Argélia não tem cartão de crédito, entendeu? Parece que você está em outra década. Tem uma coisa muito louca assim. Eles sempre falam "ça dépend" (depende, em frances). Que horas que ele vai se encontrar? "Ça dépend". Eu não aguentava mais ouvir "ça dépend" (risos). "Depende de quê?" Eu dizia: "Quanto é o câmbio?" (risos) G1: (risos) Karim Ainöuz: (risos) Aí, o cara: "ça dépend". Eu falava: "Não pode ser. Mas por que 'ça dépend'?". "Porque tem um câmbio oficial e tem uma rua ali que você vai e tem um quarteirão com uns caras com um maço de dinheiro trocando dinheiro ao vivo", entendeu? Então, realmente você entra igual quando você vai a Cuba. Você sabe esses países comunistas que ficaram isolados muito tempo? Tem uma coisa de você entrar em outro tempo. Então, eu fiquei muito brincando com a coisa de ficção científica. Tanto que tem uma brincadeira lá quando eu fico com a minha prima Inês pensando em uma ficção científica. E ninguém sabe onde é a Argélia, né? Os franceses fizeram um trabalho maravilhoso de apagamento da história argelina, entendeu? Ninguém sabe onde é. As pessoas com vergonha de me dizer que não sabem onde é, mas eu também não sabia, porque é muito absurdo o que eles fizeram assim, né? É uma coisa de apagamento histórico radical. G1 - Uma coisa que o documentário evoca muito é essa reflexão sobre colonialismo. Karim Ainöuz - Tem um documentário, que saiu no ano passado na França, que mostrava que a Argélia foi a meca da revolução. Os brasileiros que foram exilados aqui na época que sequestraram – graças a Deus – o embaixador alemão, o embaixador suíço. Qual o país que acolheu? Foi a Argélia. Eles recebiam um salário por mês, entendeu? É um país que era uma espécie de guarda-chuva das revoluções anticoloniais da década de 1960 e 1970. É muito impressionante. Quando eu cheguei a Argel, eles falaram: "foi aqui a casa que os brasileiros moraram. Aqui a casa que moravam os black panthers. Aqui é a casa que moravam os caras que fizeram a revolução de Angola". Uma das razões que eu quis fazer esse filme foi exatamente isso. No Brasil, existe uma ignorância gigante, que é fruto de um trabalho muito bem pensado. A gente estava brincando que sabe quem é (Jean-Paul) Sartre, mas ninguém sabe o que foi a revolução Angelina, entendeu? Que é muito mais divertido que Sartre. (risos) É um negócio tão inimaginável. Um pouco como a Guerra do Vietnã. Como que um país absolutamente devastado pelo colonialismo conseguiu vencer o exército francês. Não é à toa que eles querem esconder isso. G1 - E quando foi exatamente que você decidiu transformar essa sua primeira visita em um documentário? Karim Ainöuz - Eu tinha uma intuição que tinha algo muito bonito a se descobrir ali. Não só na minha descoberta pessoal do que era Argélia, do lugar que meu pai nasceu e tal como sobre a revolução. Eu tinha uma intuição de que tinha um documentário de viagem. Mas ficou muito claro para mim, quando eu estava lá, de que tinha um potencial maior do que isso assim, né? Nem era para ser uma viagem de filmagem. Era uma viagem de pesquisa, mas eu quando eu cheguei a Argel, que eu comecei a filmar, eu vi que não dava para ser só pesquisa. "Isso eu tenho que documentar, essa sensação de estar aqui pela primeira vez". Eu queria muito voltar para filmar. E aí aconteceu a pandemia. O país se fechou, por razões absolutamente corretas, e eu entendi que o material que eu tinha era muito mais o material que se disporia a um documentário, ou um ensaio, biográfico, autobiográfico, do que simplesmente um filme de viagem. Foi aí que surgiu a ideia de fazer um filme que tinha um narrador, né? Porque eu acho que isso também permite uma relação com o público muito mais eficaz. O Murilo (Hauser), que foi o roteirista junto com o Heitor (Lorega), escreveu essa carta grande que eu escrevo para a minha mãe. Foi baseado em coisas que eu gravei quando eu estava lá, mas que é um dispositivo. Ela foi se transformando no decorrer. Foi um filme que a gente montou inteiro em 2020. A pandemia fez muito bem ao filme, porque ela me permitiu não só mergulhar intimamente assim nessa relação com o país e com a história do país, mas com o próprio material que está no filme. Muito material que está no filme são uma espécie de sobras de outros filmes que eu fiz. Tem sobras do "Paixão nacional" (1996), tem sobras do "Seams" (1993). Tem um acervo, assim. Eu sempre fico muito em (câmera) super 8. Então, eu fui lá nela e fiquei cavucando e ele virou o filme que ele virou assim. Iracema Ainöuz, mãe de Karim, em imagem recuperada para 'Marinheiro das montanhas' Divulgação G1 - Um caso feliz que se aproveitou de um momento triste. Karim Ainöuz - Trágico, né? G1 - A filmagem toda foi você mesmo que fez? Karim Ainöuz - Grande parte da filmagem fui eu que fiz, junto com um fixer, o motorista e um produtor local, que ia pegar as autorizações. Era muito complicado filmar. Tinha de ir na polícia pedir autorização para poder abrir câmera e tal. A gente ficou acho que ao todo oito semanas, dois meses. Acho que nas primeiras quatro ou cinco semanas, eu estava sozinho filmando. Eu filmava um pouco com celular. Estava testando um pouco os limites de como era abrir câmera em um lugar que não é muito hospitaleiro a uma imprensa internacional. Porque eu falava que era jornalista, né? Mas aí rapidamente assim as portas se abriram. As fronteiras caíram. E aí, eu entendi que tinha ali uma relação que era muito especial, né? Tem uma hora do filme tem um cara que é um açougueiro que bate assim: "que é que você tá fazendo?". E na hora que eu dizia que meu pai era argelino, era o contrário daqui. Sempre que eu falo meu nome aqui, perguntam: "você é de onde?". E lá era assim: "você é daqui?". Então, acho que isso foi muito bonito para essas primeiras semanas. Depois, eu tinha combinado com um amigo meu, que é fotógrafo de ficção e de documentário, que é um colombiano, de ir para filmar comigo, porque eu achava que não era só ficar com a câmera. Acho que era importante também observar, assim, e ele tinha um negócio muito danado, o Juan (Sarmiento). Me lembro que ele colocou a câmera no meio do mercado com tripé. Eu falei: "Juan, vão derrubar essa câmera". Quase derrubaram, mas depois começaram a brincar e aí chamavam ele de Pablo Escobar, me chamavam de não sei o quê, entendeu? Então, virava uma grande brincadeira, que depois na verdade virou uma maneira muito afetuosa de nos aceitar naquele lugar. Acho que tinha uma coisa de como ele era colombiano e eu sou brasileiro, eles têm uma coisa muito muito bonita assim de identificação com países do terceiro mundo assim, né? Não teve técnico de som. E eram formatos muito artesanais, né? Era vídeo, era super 8, era slide e era celular. G1 - Por que você tomou essa decisão de se apresentar como jornalista? Karim Ainöuz - Porque teve uma hora que eu falei: "gente, será que eu vou ter que contar, cada vez que eu abro câmera, que meu pai nasceu aqui, que eu conheci ele com 20 anos de idade? Não quero contar essa história 50 vezes. Deixa eu só olhar isso aqui. Me deixa em paz, um pouco. Comer e beber esse país, essas pessoas". Poder ter uma relação realmente de observar, né? Eu me lembro da primeira vez que vi um filme berbere, que foi feito na Argélia em 1985. Foi a primeira vez na vida que eu vi gente parecida comigo. Eu tenho uma cara meio genérica. Podia ser italiano, podia ser argelino, podia ser cearense e tal. Mas teve um negócio muito forte assim quando eu vi esse filme em 1985, na França. E aí eu queria só poder estar junto assim. Olhar sem precisar necessariamente desvendar a minha história. Depois eu fui entendendo que não tinha como. No momento que você conta isso, você abre um monte de porta. Literalmente, né? Como você viu no filme, um monte de porta se abriu, e as trocas foram muito mais frutíferas do que se eu tivesse ficado me escondendo. G1 - E até ajuda, né? Porque no momento em que você revela que seu nome é Karim Ainöuz, você encontra o Ainouz Karim. E ele vai te levando... Karim Ainöuz - Para uma rede familiar mesmo, né? G1 - E você falou ali da sua prima. Torço para que você faça mesmo um filme com ela. Karim Ainöuz - Ela é impressionante, né, cara? Ela é Incrível. Ela me escreveu outro dia me pedindo um celular. Vou levar um celular para ela. Eu me senti um pouco ela. Um pouco um peixe fora d'água, assim, mas que é dali também e tal. Um pouco que eu me sentia quando eu estava crescendo em Fortaleza. E ali (a Argélia) é um lugar que você pertence, mas você não pertence, entendeu? Aquilo ali tem um negócio que é além do consciente, que é quase do DNA mesmo. Mas não é também, entendeu? Eu estou muito curioso de voltar lá agora. Não voltei ainda. Vou voltar semana que vem pela primeira vez. Como é que vai ser essa sensação. Será que eu vou me sentir pertencendo mais? G1 - O filme foi exibido já faz um tempo, em Cannes, em 2021. O que aconteceu? Karim Ainöuz - Olha, primeiro que eu não queria lançar o filme dentro dos anos tenebrosos que a gente passou aqui. Segundo que eu queria lançar o filme no cinema. Então, além da questão política tem uma questão conjuntural mesmo, que é a pandemia, que é a sala de cinema que é a volta à sala de cinema. Eu pensei em lançar em 2022, mas eu estava super ocupado fazendo um outro filme. Tinha uma coisa de agenda mesmo, que era impossível eu parar o que estava fazendo. E eu achava que lançar o filme sem estar aqui não ia fazer muito sentido. Eu achava que era um pouco arremessar o filme, mais do que lançar. A gente esperou e foi muito feliz. Poder estar lançando agora em um país que está renascendo das cinzas realmente. Então, eu acho que isso foi uma coincidência. Karim Ainouz, diretor de 'A Vida Invisivel de Euridice Gusmao', recebe o prêmio da mostra Um Certo Olhar em Cannes 2019 Reuters G1 - Enquanto eu via, eu acabei vendo um paralelo do seu filme com "Retratos fantasmas", do Kleber Mendonça Filho. E achei muito interessante, dois dos cineastas mais proeminentes do país lançando quase ao mesmo tempo... Karim Ainöuz - É muito louco, né? (risos) G1 - ...histórias mais pessoais. Obviamente tem toda uma coincidência cósmica que acontece, às vezes, mas você acha que talvez um público também esteja querendo esse tipo de filme? Karim Ainöuz - Não. Tomara que o público queira, mas eu acho que tem uma coisa que durante alguns anos foi o que nos foi possível falar. Era impossível, se você não estivesse trabalhando com uma plataforma, se você estivesse fazendo um cinema independente, o que a gente podia falar da gente assim. Porque era praticamente impossível falar de outras coisas. Era tão trágico o que estava acontecendo. Estou falando tanto no sentido concreto, de que tudo parou, né? Na verdade, esse filme foi financiado em 2016. Então, eu não acho que é uma coincidência, eu acho que é uma consequência de anos durante os quais a gente foi quase que obrigado a calar a boca. A gente só conseguia falar entre quatro paredes Eu acho que esses filmes são filmes que falam entre quatro paredes, que falam de coisas muito íntimas tentando falar de coisas muito maiores assim do que a gente, no sentido político mesmo. G1 - E por que que você acha então que os cineastas e as pessoas que fazem cultura estavam nesse momento de que eram quase obrigados a calar a boca? Era uma questão financeira? Karim Ainöuz - Eu acho que é uma questão financeira, né? Acho que o cinema não é um desenho que você pega um papel e escreve ali, com todo respeito ao desenho, mas enfim, precisa de dinheiro, precisa de uma indústria que faça com que ele possa continuar existindo. E o cinema independente especificamente depende de uma participação de políticas públicas realmente. Acho que teve isso. Eu acho que a gente é perigoso. Eu acho que o cinema é um negócio tão potente, que eu acho que a gente é perigoso em um bom sentido. Acho que esse cinema é uma arma transformadora gigante. Tem uma coisa do sonho, da magia, da fantasia. Não é à toa que a Amazon tem uma plataforma de cinema, né? Porque na verdade através dali que eles conhecem o teu inconsciente e consegue saber o que você quer comprar. Entendeu? Eu acho que o cinema tem uma força que é gigante mesmo e eu acho que a gente se tornou persona non grata no lugar onde o sonho, a esperança, a justiça foram pautas e questões que foram esmagadas. Então, acho que nesse sentido a gente virou o inimigo público. G1 - E falando um pouco de "Motel destino", esse filme que você está gravando agora no Ceará, depois de filmar uma grande produção estrangeira. Tem saído bem pouca informação a respeito. No Instagram você publica imagens, mas pouca coisa reveladora, com atores ou algo assim. Karim Ainöuz - (risos) Tem sido de propósito, mesmo. G1 - O que você pode falar a respeito? Como está sendo? Karim Ainöuz - (risos) Mas vai valer a pena. Vai valer a pena. Olha, cara, foi muito bacana fazer o "Firebrand". Foi uma experiência incrível. Uma aventura nova. Uma aventura muito feliz, mas ao mesmo tempo fazia muito tempo -- fazia cinco anos que eu não vinha ao Brasil. E o Brasil, antes de qualquer coisa, é o Ceará, entendeu? Gabrielle Tana, Karim Aïnouz, Alicia Vikander e Jude Law chegam ao Festival de Cannes 2023 para exibição de 'Firebrand' Valery Hache/AFP Eu estava com muita vontade de voltar ao Ceará. Estava com muita vontade quase de devorar o Ceará. Eu acho que uma maneira de se devorar um lugar é filmar um lugar. Eu estava com muita vontade de filmar em um lugar que eu pudesse falar com sotaque. É um pouco a mesma coisa da Argélia, entendeu? Era voltar para uma casa a qual eu não ia há muito tempo. O último filme que eu fiz lá foi o "Praia do Futuro", que tem 10 anos que a gente filmou. Tinha uma vontade muito grande de uma espécie de volta para casa. O "Motel Destino" é exatamente isso. Não foi exatamente um projeto fazer isso assim. Era um filme que a gente tinha ganho um edital em 2016, teve o golpe, e eu nunca achei que esse contrato ia ser honrado. Porque foi tudo ali colocado em uma operação tartaruga dentro da Ancine, e ele foi honrado em novembro (de 2022). Você acredita? Antes da eleição? E falei: "gente, isso é um sinal de que eu tenho que na verdade fazer esse filme de qualquer jeito". Eu entreguei o "Firebrand" em Cannes, mas três semanas antes de lá eu já vinha em processo de locação. Eu estava com fome de filmar no lugar que é o lugar onde eu comecei a filmar. Eu lembro dos primeiros filmes que eu fiz de super 8. Foi no Ceará, né? E depois eu fiz " O céu de Suely". Depois eu fiz o "Praia do Futuro". Um monte de curta que eu fiz lá. Foi uma coincidência, mas uma coincidência muito feliz. A gente está filmando o ano que vem um filme lá fora também. E era para gente filmar agora em outubro e tal. Graças a Deus teve essa greve, porque, quando começou a greve, eu falei para o produtor: "olha, vamos colocar esse filme no ano que vem. Deixa eu fazer um filme no Brasil que eu estou super precisando". E foi maravilhoso, porque tinha uma sensação de liberdade filmando na tua língua, filmando em lugar que é um lugar não só que você conhece bem, né? Eu acho que todo lugar que você vai você tem memória. Tinha uma coisa de memória que era muito boa. Não era só filmar o Ceará, era filmar uma casa que eu conhecia muito bem. O "Motel Destino" para mim é um filme sobre desamparo e as consequências do desamparo assim. A gente vive em um país com um monte de gente desamparada. Eu sempre fiquei muito impressionado como a religião -- especificamente as religiões pentecostais -- se apropriaram disso. Para o bem e para o mal. Então, "Motel Destino" é uma história de um garoto que sai de um centro socioeducativo por um crime que ele cometeu e é obrigado a fazer uma espécie de último golpe. Dá tudo errado. Ele tem que fugir, e o primeiro lugar que ele encontra para se esconder é um motel. E aí é uma história de amor entre ele e a dona do motel. Uma mulher que vem na mesma classe social que ele, mais velha, que vive um relacionamento abusivo com o dono do motel. É esse triângulo amoroso sobre duas pessoas que estão sendo oprimidas, se encontram e se apaixonam. Mas é um filme noir equatorial. É um filme que fala de crime, que fala de transgressão e que tem muito sexo. (risos) G1 - (risos) E como é esse outro projeto engatilhado? Karim Ainöuz - Esse outro projeto é chamado "Rosebushpruning", que é uma espécie de adaptação do primeiro filme do (Marco) Bellocchio, que foi feito em 1965 e é uma espécie de grito antipatriarcal. A história de uma implosão de uma família privilegiada e da rebelião de um dos filhos. É o filme que hoje em dia a gente está filmando, vamos ver se, depois da greve. A Kristen Stewart, o Josh O'Connor e a Elle Fanning. E a gente está fechando agora os outros dois papéis, que são o pai e a mãe. Alicia Vikander em cena de 'Firebrand' Divulgação G1 - E, só para encerrar, como foi a experiência com o "Firebrand"? Li até que você praticou um negócio de não deixar ninguém falar com os atores nas gravações. Isso é algo que você faz sempre? Karim Ainöuz - Sempre. Foi maravilhoso, porque eu consegui fazer o "Firebrand" de um jeito que não é muito diferente dos filmes que eu faço no Brasil. Eu consegui ensaiar muito antes. Eu consegui ter uma relação muito próxima com os atores. Foi um filme que foi muito gestado com a produtora do filme. Não foi um filme que foi encomendado. Foi um filme de fato que virou meu e foi uma experiência muito feliz assim. Muito diferente, mas muito parecida com os filmes que eu faço aqui. A gente acabou de decidir que vai ter uma exibição dele no Festival do Rio e que vai ser lançado em janeiro.FONTE: G1 Globo