Letrux solta os bichos em álbum que a mantém fora da jaula que aprisiona artistas no padrão pop nacional

04 jul 2023
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Dedicado a Rita Lee, o disco traz Lulu Santos em 'Zebra', uma das dez músicas em que a indomável cantora reitera a personalidade artística ao se inspirar na fauna para falar da natureza humana. Capa do álbum 'Letrux como mulher girafa', de Letícia Novaes

Katja Täubert

Resenha de álbum

Título: Letrux como mulher girafa

Artista: Letrux

Edição: Altafonte

Cotação: ★ ★ ★ 1/2

♪ Após enxugar as lágrimas, Letrux solta os bichos e volta para a pista com álbum que reitera a força da personalidade artística de Letícia Novaes, a criadora de Letrux.

No terceiro disco solo, Letrux como mulher girafa, a cantora e compositora carioca encara as feras do mundo da música, sempre dispostas a aprisionar artistas em jaulas e padrões mercadológicos – ao ponto de, mais uma vez, ter apresentado álbum inteiro em 30 de junho sem singles prévios, como manda a lei da indústria fonográfica.

Sintomaticamente, o disco é dedicado à libertária Rita Lee (1947 – 2023), “uma mulher girafa especial em minha vida”. A propósito, ecos do pop dançante de Rita na fase áurea dos anos 1980 reverberam em Teste psicológico animalesco (Arthur Braganti, Letícia Novaes e Thiago Vivas), uma das dez músicas de álbum engordurado com seis vinhetas que apresentam fragmentos de canções e conversas que soam como piadas internas sem relevância para o ouvinte.

Se escutado na disposição das 16 faixas, Letrux como mulher girafa peca pelo excesso de vinhetas. Se ouvido sem a introdução, os quatro “intervalos” – termo usado pela artista para caracterizar as vinhetas – e sem o encerramento, o álbum se impõe como o melhor título de obra solo que ganhou impulso logo no primeiro disco, Letrux em noite de climão (2017), ao qual se seguiu Letrux aos prantos (2020), álbum prejudicado por ter sido lançado em involuntária sincronia com a chegada da pandemia de covid-19 ao Brasil.

Esses dois álbuns anteriores foram feitos com produção musical de Arthur Braganti (piano e synths) e Navalha Carrera (guitarra). Letrux como mulher girafa chega ao mundo com o diferencial de ter produção musical de João Brasil, DJ carioca que deu forma ao álbum Estilhaça (2015) – derradeiro título da discografia do duo Letuce, formado por Letícia Novaes com Lucas Vasconcellos – e que, em era pregressa, formou a banda Ménage à Trois com a então iniciante cantora.

Curiosamente, e surpreendentemente, inexiste ruptura na sonoridade de Letrux como mulher girafa em relação aos dois álbuns antecessores, mas um prosseguimento, o que fortalece a personalidade artística da cantora e compositora.

Desprendidas das vinhetas, as dez músicas soam coesas e integradas a um universo sonoro eletrônico encorpado com camadas e efeitos que embutem certo teor psicodélico – sobretudo em Formiga (Letícia Novaes), música bilíngue com versos em inglês e português – e beats de pegada roqueira, perceptível no refrão de As feras, essas queridas (Letícia Novaes), música eleita para gerar o primeiro clipe do disco.

Entre texturas, ruídos e sons de animais, como as gaivotas ouvidas em Louva a deusa (Letícia Novaes), Letrux usa os bichos como metáforas e analogias para versar sobre emoções e sentimentos das criaturas da noite na eterna procura por amor. Em outras palavras, a fauna é o pretexto para Letrux escancarar a natureza humana.

“Uma vez basta pra saber que desse mato não sai cachorro / E se sair, o que é que vou fazer? / Liga pro pronto socorro!”, reflete a artista em Hienas (Arthur Braganti e Letícia Novaes). “I gave you my crocodile tears for you to believe me”, avisa a artista, prometendo lágrimas de crocodilo, com certo cinismo, no verso inicial da letra em inglês de Crocodilo (Letícia Novaes e Arthur Braganti).

Se Zebra (Letícia Novaes e Thiago Vivas) traz a guitarra e a voz grave de Lulu Santos, que (a pedido de Letrux) fala em vez de cantar na faixa, Leões (Letícia Novaes e Thiago Vivas) mostra as garras pop de um disco dançante e palatável enquanto Abelha (Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos) – sobra inédita do repertório duo Letuce – destila mel que, de certa forma, faz Letrux se curva à realeza de Maria Bethânia.

Já Aranha (Letícia Novaes) tece teia inspirada pela obra da artista plástica Louise Bourgeois, confirmando que ninguém doma Letrux, a mulher girafa que solta o bichos neste disco conceitual que a mantém longe das garras das feras do mercado.

Letícia Novaes alinha dez músicas inéditas e seis vinhetas no terceiro álbum solo, 'Letrux como mulher girafa', lançado em 30 de junho

Julia Rodrigues / Divulgação


FONTE: G1 Globo


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