O que Brasil pode aprender com lei argentina que fez crescer nº de mulheres no line-up de festivais?

29 set 2023
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Pesquisadora aponta pouca representatividade em festivais nacionais. Na Argentina, lei que exige ao menos 30% de participação feminina em eventos musicais reduz falta de diversidade. Pitty se apresenta no The Town 2023

Alex Woloch/Divulgação

A cada line-up de festival, um movimento se fortalece: o público quer mais diversidade. Mas o cenário parece mudar pouco: é o que constatou a pesquisadora Thabata Arruda. Ela fez um levantamento de line-ups de festivais nacionais que apontou a pouca presença feminina entre as atrações.

"Festival se tornou algo lucrativo e muitos deles estão sendo feitos por pessoas de fora do mercado", diz Thabata em entrevista ao g1.

"Com isso, tem acontecido muito o 'copia-e-cola' de line-up, reproduzindo e reproduzindo festival sem mulheres."

Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens sobre o rock tocado por mulheres. Pesquisa mostra a falta de representatividade em line-ups de festivais. Lei que prevê cotas para atrações femininas pode funcionar?

"É um ponto que preocupa, ao mesmo tempo que percebo mulheres artistas mais antenadas, mais atentas em programações. A gente vê esse movimento nas redes sociais de mulheres comentando os line-ups."

Sem mulheres no rock

Thabata analisou, em sua pesquisa publicada em 2020, mais de 70 line-ups de festivais entre 2016 e 2019. A ideia era mapear quantas mulheres estavam no palco. Ela dividiu as atrações em três categorias:

"mulheres solo", como Pitty;

"bandas mistas", com ao menos uma mulher na formação permanente;

e "atrações 100% feminina".

"O que a gente vê, aglutinado em um gráfico, é preocupante. O número de mulheres não passou de 20% nessas categorias."

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O cenário do rock, ela afirma, é ainda mais preocupante. Segundo a pesquisadora, festivais que tiveram origem no rock, ainda que hoje mais abertos a outros estilos, têm line-ups com menos mulheres. "O Porão Rock, por exemplo, teve ano com 0% de mulheres solistas."

Pitty se apresenta no segundo dia de Lollapalooza 2023

Luiz Gabriel Franco/g1

"Tem bandas femininas ainda na ativa, mas que são ignoradas porque tem a Pitty para cumprir o papel."

Veja os festivais com menos mulheres em carreira solo, em pesquisa de 2020:

Porão do Rock (DF): 0%

João Rock (SP): 4%

Goiana Noise (GO): 4,1%

Vaca Amarela (GO): 5,4%

Forró da Lua Cheia (SP): 7,5%

Lollapalooza Brasil (SP): 10,6%

Apesar de números ainda baixos, em seu último relatório, referente ao ano de 2019, destaca o festival Abril pro Rock, que foi de 0% para 20,8% de participação feminina. Segundo o estudo, isso se deu após o evento dedicar um dia todo de programação apenas para as mulheres.

"Goiania Noise também saiu dos 0% e foi para 4,1%, diferente do Porão do Rock, que de 2% caiu para 0% de mulheres solistas em sua programação. Vaca Amarela também teve uma queda, de 6% foi para 5,4%", aponta o levantamento mais recente.

"João Rock aparece no ranking com 4%. Esta porcentagem foi alcançada devido à presença da cantora e compositora Pitty. Mais uma vez, a artista foi a única mulher em toda a programação do evento."

Lei de cotas na Argentina

Thabata elaborou a pesquisa depois de acompanhar um levantamento de uma plataforma de conteúdo chilena chamada Ruidosa, com números da participação feminina em festivais da América Latina, hispano falantes. "Fiquei chocada, porque os números eram de 2%, 3%. Perguntei sobre dados do Brasil e elas não tinham", diz.

Para montar seu levantamento, ela usou a metodologia usada em uma pesquisa feita na Argentina, que deu origem uma lei, a Ley de Cupo en Eventos Musicales, que exige a presença feminina de no mínimo 30% em eventos musicais com ao menos três atrações.

Aurora faz show na tarde do terceiro dia de Lollapalooza

Rafael Leal / g1

Recentemente, o Instituto Nacional de la Música, órgão que fiscaliza a aplicação da lei, apresentou o resultado das cotas entre os anos de 2021 e 2022.

Segundo as informações do relatório, após três anos de aplicação da lei, "foi notável o avanço no rock".

No biênio 2017/2018, os festivais focados no estilo apresentavam uma média de 9,93% de participação feminina. Com a lei, esta média foi para 39,44%. Em festivais de pop e rock, também houve uma evolução: se em 2017/2018 a média foi de 18,57%, em 2021/2022, foi registrada a média de 39,19%.

Por lá, o estilo que mais abriu espaço para as mulheres foi o tango, que de 26,66% de média, foi para 46,34%. De forma geral, na média que inclui todos os estilos em 2017/2018, era de 15,21%. Depois de três anos de aplicação da lei, a média total é de 32,19%.

"Na Argentina, entende-se que a ausência das mulheres nestes lugares está dentro do guarda-chuva de violência de gênero, de trabalho", diz Thabata.

"Tem que ter essa diversidade porque é a gente negando posto de trabalho para algumas mulheres que passam a vida inteira se profissionalizando e não conseguem vislumbrar uma carreira que seja consistente, que se sustente."

De olho na curadoria

Em novembro, o festival Rock in the Mountain, que está na sua décima edição, fez um line-up apenas de mulheres, de vários estilos. Estão ali nomes como Maria Bethânia, Iza, Marisa Monte, Alcione, Pitty e Daniela Mercury.

H.E.R. se apresenta no The Town 2023

Luiz Gabriel Franco/g1

"O desafio maior foi encontrar espaço para tanta mulher boa", diz Ricardo Brautigam, à frente do evento. "Realmente, a questão do rock é mais complicada, mas não é uma questão feminina e sim do rock em si, porque parece que parou nos anos 80."

Uma das iniciativas para suprir a falta do rock e das roqueiras, o festival terá pela primeira vez um espaço especial, chamado de Casa do Rock, para colocar bandas pequenas e desconhecidas formadas apenas por mulheres.

Para montar esta programação, Brautigam diz que teve mais dificuldade. "Foi muito mais fácil encontrar bandas masculinas, eu precisei dar uma boa pesquisada para encontrá-las", diz.

"Esse é um trabalho que tem que ser geral, não só dos músicos, mas também dos produtores, das casas de eventos, dos bares, de procurar mesmo, porque é muito mais fácil chamar banda masculina que já conhece, que já tem visibilidade e divulgação."

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Thabata concorda que as curadorias precisam dar mais atenção ao organizar a programação dos festivais, no entanto, lembra que também pode ser uma iniciativa de artistas já consagrados.

"Fui muito fã da Pitty e quanto eu a ver fazendo o que poderia fazer, eu ficaria muito feliz: ela está em um lugar hoje muito confortável. Com o poder de influência dela e no lugar que ela já está, já pode questionar curador, negar convite. Seria uma postura a se adotar e faria muito festival pensar, coisa que outras artistas, como As Mercenárias e Far From Alaska, não podem fazer."

"Quando os próprios artistas que estão em posições bacanas, confortáveis, olharem lá e verem que são as únicas mulheres, acho que seria legal. É talvez falar, ‘e aí, João Rock, pela quarta vez eu sou a única mulher?’. Seria um caminho para a gente ver o cenário mudar."


FONTE: G1 Globo


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